Não, caro leitor. Você não leu errado!
É de conhecimento geral que, ao oferecer um imóvel para
locação, uma das maiores preocupações do proprietário é justamente a garantia
que o Locatário indicará, a fim de cobrir eventuais inadimplementos.
De acordo com a Lei de Locações, são quatro as modalidades
de garantia cuja escolha cabe ao Locador: caução, fiança, seguro de fiança
locatícia e cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento.
Em artigo anterior, explicamos objetivamente sobre cada uma
delas, texto ao qual remetemos o leitor.
Mas se a legislação possibilita que o Locador exija a
previsão de uma garantia, por qual razão pode ser mais vantajoso manter o
contrato “descoberto”?!?
Para responder a essa questão, em primeiro lugar, será
preciso explicar quais os passos a serem seguidos quando o Locatário, por
exemplo, deixa de pagar o aluguel, que é a situação de descumprimento mais
comum no dia a dia.
Verificado o não pagamento do aluguel, cabe ao Locador
ajuizar a conhecida ação de despejo cumulada com cobrança de aluguéis e
encargos – e, aqui, tanto faz se há atraso de um dia ou de três meses, conforme
artigo que também publicamos sobre esse tema.
Ocorre que, distribuída a ação perante o Poder Judiciário,
existe uma série de trâmites processuais que precisam ser seguidos e
respeitados até que o imóvel seja, enfim, desocupado e, principalmente, até que
o débito em aberto seja efetivamente pago!
E é aqui que mora o problema.
Utilizemos, em nosso exemplo, um contrato de locação em que
o Locatário é Antônio e a garantia prevista é a fiança, na pessoa do fiador
José. Supomos, ainda, que o primeiro mês não pago foi fevereiro de 2019 e que o
proprietário, Pedro, aguardou 3 meses sem nenhum pagamento para ajuizar a ação
de despejo e cobrança.
Com o ajuizamento da ação em maio, podemos prever os
seguintes trâmites processuais:
- Distribuição a uma das Varas Cíveis e remessa ao juiz;
- Despacho inicial determinando a citação dos réus Antônio e
José;
- Remessa ao cartório para expedição dos mandados de
citação;
- Carga dos mandados de citação pelo oficial de justiça e
prazo de 30 dias para cumprimento;
- Juntada dos mandados cumpridos aos autos, abrindo o prazo
de 15 dias úteis para que os réus apresentem defesa;
- Apresentação de defesa pelos réus.
Apenas para este bloco inicial de andamentos obrigatórios e
considerando a experiência de tempo médio em São Paulo, Capital, podemos
considerar o transcurso de dois a quatro meses (em sendo competência do foro de
Santo Amaro ou Penha, por exemplo, podemos alargar e muito esse prazo!).
Além disso, qualquer problema na citação de algum dos réus,
como a devolução do mandado por não ter sido o fiador encontrado, gerará de um
a dois meses adicionais para cumprimento de um novo mandado.
Considerando que tudo dê certo e as defesas sejam
apresentadas, restam, pelo menos, os seguintes atos:
- Intimação do autor para manifestação em réplica, em 15
dias úteis;
- Remessa ao juiz para despacho saneador;
- Audiência de conciliação e eventual produção de provas;
- Prolação de sentença, com prazo de 5 dias úteis para
embargos de declaração, e/ou recurso de apelação em 15 dias úteis.
Notícia boa: esta segunda fase, finalmente, coloca fim à primeira
etapa do processo!
Notícia ruim: já estamos na primeira quinzena de dezembro e,
de acordo com o Novo Código de Processo Civil, os prazos processuais ficam
suspensos entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro!
Desta forma, Pedro, que está sem receber há quase um ano,
passa as festividades de fim de ano e, em fevereiro de 2020, recebe a
informação acalentadora de que a Lei de Locações prevê que os recursos
interpostos em suas ações não suspendem os efeitos da sentença, de modo que,
recorrida ou não, poderá iniciar, enfim, a execução do despejo – desocupação –
e da cobrança – recebimento dos atrasados.
Iniciam-se, então, os procedimentos executórios específicos
que envolvem, entre outros, a expedição de mandado – também a ser cumprido em
30 dias - concedendo prazo de mais 15 dias para que o Antônio deixe o imóvel
espontaneamente. Apenas vencido este prazo – já em meados de março de 2020 – é
que abre a possibilidade do derradeiro despejo forçado.
Paralelamente, não podemos nos esquecer dos aluguéis de mais
de um ano atrasados e que precisam ser pagos, seja por Antônio, seja por seu
fiador José.
E aqui vem a grande decepção... Após Locatário e fiador
serem intimados para, em 15 dias, realizarem o pagamento desta vultosa quantia
e permanecerem inertes e, mais do que isso, diante de tentativas frustradas de
bloqueios de valores em conta, o Locador se dá conta de que, desde a assinatura
do contrato de locação 3 anos antes, a situação financeira de José, o
garantidor, mudou completamente e, simplesmente, inexistem ativos que cubram o valor
da dívida.
Frustrante, não?
Agora, após a história triste, voltemos ao início dessa
relação retirando a figura de José, o fiador, tornando o contrato de locação
desprovido de garantias.
Neste caso, o que muda é que, verificado o inadimplemento,
torna-se possível a retomada efetiva do imóvel em menos de dois meses!
Isto porque, em 2009, a Lei de Locações passou a prever a
possibilidade de decretação de despejo liminar, caso a ação se fundamente em
falta de pagamento e o contrato não disponha de garantias:
§ 1º Conceder-se-á liminar para desocupação em quinze dias,
independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução
no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por
fundamento exclusivo:
(...)
IX – a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação
no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias
previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou
pedido de exoneração dela, independentemente de motivo. (Incluído pela Lei nº
12.112, de 2009)
Sabe aquela lista de trâmites processuais listadas acima,
que culminaram na possibilidade de desocupação forçada apenas após mais de um
ano? Veja a mudança:
- Distribuição da ação;
- Distribuição a uma das Varas Cíveis e remessa ao juiz;
- Despacho inicial determinando a citação dos réus Antônio e
José – bem como a intimação de Antônio para desocupação do imóvel em 15 dias,
sob pena de despejo forçado.
(...)
É isso mesmo. Ao receber a petição inicial, o juiz, em seu
primeiro despacho, já determina a desocupação do imóvel.
Isto possibilita (i) que o débito não se alongue
indefinidamente no tempo tornando-se impagável e transformando-se em fundo
perdido ao proprietário, bem como (ii) a imediata disponibilização do imóvel para
outra locação.
Mas nem tudo são flores!
Conforme o artigo de lei transcrito acima, o despejo liminar
possui um requisito importante, que é o depósito judicial, pelo Locador, do
valor equivalente a três meses de aluguel.
Trata-se de uma caução que, diante da procedência da ação ao
final, poderá ser levantada pelo proprietário.
Deste modo, por esta exposição, esperamos ter esclarecido o
título deste artigo, isto é, muitas vezes, um contrato sem garantia passa a ser
mais vantajoso ao Locador por possibilitar a decretação do despejo imediato,
reduzindo consideravelmente sua margem de prejuízo, ainda que, para tanto, seja
necessário o depósito caução.
Em conclusão, a lógica é: a ausência de garantia pode ser
muito melhor do que uma garantia fraca.
Importantes para evitar interpretações equivocadas:
Importante1: em nenhum momento afirmamos que garantias
locatícias sejam imprestáveis e que, em todo e qualquer caso, é melhor a
ausência delas. Vide o caso do seguro-fiança, que é a garantia mais segura – e
mais cara também;
Importante2: em nenhum momento afirmamos que, em todo e
qualquer caso, o despejo liminar garanta uma ausência de prejuízo ao Locador,
pois, logicamente, existem situações que uma boa garantia é imprescindível para
cobrir – exemplo: danos ao imóvel;
Importante3: sim, existem outras hipóteses de despejo
liminar, mas esse não é o objeto deste texto;
Importante4: a morosidade judicial descrita no texto
utiliza-se de situação vista como regra. Mas existem, sim, varas judiciais
muito ágeis.
Importante5: existe a possibilidade de ação de execução
diretamente em face do fiador, o que pode acelerar os atos de execução dos
valores atrasados, mas esta hipótese também não é objeto deste texto.
Texto: Bruno Angeli Perelli, Advogado Cível, Imobiliário, Digital
em São Paulo
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