No lago formado pelo braço do rio Japurá, afluente do
Solimões, uma plataforma flutuante se destaca entre o verde da Floresta
Amazônica e o castanho-escuro da água: é a Pousada Uacari, localizada na Amazônia
Central. A estrutura ecologicamente planejada tem capacidade para receber até
24 hóspedes simultaneamente.
Uma média de 700 turistas visita o local por ano, dos quais cerca de 70% estrangeiros. Além de localizado no coração da selva, o local está inserido na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, instituída em 1996 para proteger o ecossistema local, e se tornou um dos principais exemplos do turismo sustentável no Brasil.
Uacari foi criada no fim dos anos 1990 pelo Instituto
Mamirauá, responsável pela gestão da reserva. A organização social, conveniada
ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, foi idealizada
pelo zoólogo José Marcio Aires e por um grupo de pesquisadores, com o fim de
promover estudos sobre a biodiversidade na Amazônia e a qualidade de vida da
população local.
A pousada foi um braço dessa proposta para desenvolver uma
alternativa econômica local, e logo passou a contar com os moradores de 11
comunidades do entorno, incluindo uma indígena, totalizando hoje 800
integrantes. Agora, os moradores se preparam para em breve assumir a gestão da
hospedaria de maneira autônoma.
Localizada na região do Médio Solimões, a Pousada Uacari é
acessível de três formas a partir de Manaus: numa viagem de dois dias num barco
regional; 12 horas pelo rio numa lancha; ou de avião até Tefé e depois uma hora
de barco.
O turista pode se hospedar num dos dez bangalôs flutuantes, de madeira e com aquecimento e ventiladores alimentados por placas de energia solar. As estruturas têm sistemas próprios de tratamento de esgoto. Dali, os visitantes podem sair de canoa a remo para observar a fauna e a flora, caminhar pela floresta, interagir com as comunidades locais e aprender mais sobre a biodiversidade da Amazônia.
Segundo Pedro Meloni Nassar, coordenador do Programa de
Turismo de Base Comunitária do Instituto Mamirauá, o perfil dos visitantes é de
famílias e casais na média dos 50 anos, a maioria europeus e americanos, em
busca de tranquilidade no meio da floresta.
As opções de roteiros variam de acordo com o nível do rio.
Em épocas de cheia, como de abril a agosto, na maior parte da floresta a
circulação é feita em canoas. Entre os passeios procurados estão o noturno e o
chamado "pacote da onça", no qual os visitantes acompanham
pesquisadores para aprender mais sobre o animal e, quem sabe, vê-lo em seu
habitat, ainda que a distância. Os pacotes custam de R$ 650 a R$ 700 por dia.
Em 2015, a Pousada Uacari foi vencedora do Prêmio Braztoa de
Turismo Sustentável. Promovida pelo Ministério do Turismo e pela Associação
Brasileira de Operadores de Turismo, a iniciativa reconhece desde 2012 as melhores
práticas turísticas que englobem os três pilares da sustentabilidade:
desenvolvimentos econômico e social, e preservação ambiental. Em 2018, foi
finalista do prêmio do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC), na
categoria comunidades.
Para Reinaldo Miranda de Sá Teles, especialista em turismo
sustentável e professor da Universidade de São Paulo, a Pousada Uacari é um dos
principais exemplos de sustentabilidade do Brasil. Ele afirma que a iniciativa
se enquadra nas diretrizes da Organização Mundial do Turismo para tornar a
atividade mais sustentável no mundo, pois garante a preservação, com a reserva
ecológica, e envolve a comunidade numa atividade limpa, com retorno financeiro
mais viável do que a exploração dos recursos naturais.
Trabalho conjunto e transição
A criação da estação ecológica, em 1990, pelo governo do Amazonas, acarretou restrições econômicas aos moradores da região na década de 1990, como pesca ou atividades de uso intensivo dos recursos da área. A partir de 1996, o território foi recategorizado como Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, e o manejo ficou a cargo do Instituto Mamirauá.
Foi elaborado um plano de viabilidade econômica e realizadas
conversas com os moradores da região. O consenso foi que a exploração do turismo
se tornaria uma nova possibilidade para complementar a renda dos locais,
dependentes principalmente da pesca artesanal.
Após o aval das comunidades, os primeiros hóspedes começaram
a chegar em 1998. No ano seguinte, o instituto conseguiu recursos do Departamento
para o Desenvolvimento Internacional do governo britânico para a construção de
bangalôs, estrutura de cozinha e ambientes comuns.
A partir daí, mais moradores decidiram se envolver no
projeto. Eles atuam como prestadores de serviço na pousada, no transporte de
turistas e como guias em passeios pela mata, de canoa ou na observação dos
animais. Os moradores são convocados por meio da Associação de Auxiliares e
Guias de Ecoturismo do Mamirauá (Aagemam), criada por eles, que se encarrega de
fazer os pagamentos, o recrutamento e a logística.
A taxa socioambiental cobrada dos turistas vai para um fundo
comunitário, que serve tanto para a vigilância do local, feita pelos moradores,
quanto para financiar projetos de melhorias nas aldeias. "Quanto mais
turistas, mais dinheiro no fundo. A ideia é que a comunidade como um todo sinta
e receba os benefícios da pousada", explica Nasar.
Desde 2013, o instituto desenhou novo plano de negócios que
traçava o objetivo de alcançar a autonomia financeira da pousada nos dez anos
seguintes. Como a estrutura ainda é do instituto, ele fornece muitos insumos ou
serviços necessários para o funcionamento da hospedagem. Os moradores recebem
treinamento, visando alcançar a autonomia. Até 2022 toda a gestão da pousada
será transferida para eles, e o instituto manterá o foco apenas em pesquisa.
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