Imagine você, leitor, as
seguintes hipóteses: um pequeno empresário precisa de dinheiro para honrar com
os compromissos da sua empresa, pois as vendas caíram substancialmente nos
últimos meses. Vai ao banco para conseguir um empréstimo para salvar sua empresa.
Como de praxe, a instituição financeira solicita uma garantia para conceder o
empréstimo. Nem ele, nem a empresa, possuem bens para oferecer em garantia. Não
enxergando outra alternativa, ele pede aos seus pais para oferecer o único
imóvel em que residem para garantir essa operação e o imóvel é alienado
fiduciariamente ao banco.
Imagine ainda que um casal
adquire um imóvel de uma incorporadora para pagar em 20 anos. Assina a
escritura no ato, recebe as chaves e se muda com toda a sua família para a tão
sonhada casa própria. Como garantia ao pagamento das parcelas oferecem o próprio
imóvel adquirido, em alienação fiduciária.
Agora imagine que os
devedores não conseguiram honrar os compromissos assumidos e perderam os
imóveis dados em garantia. A discussão é atual e chama a atenção por recentes decisões,
mas sim trazer um outro ponto de vista sobre o instituto da alienação
fiduciária, que não apenas o dos devedores.
A Lei nº 9.514, em 20 de
novembro de 1997, que trata da alienação fiduciária de bem imóvel, teve por
finalidade promover o financiamento imobiliário em geral, cujo objetivo
principal foi trazer mais agilidade na execução da garantia pelo credor (também
chamado de fiduciário) em caso de inadimplemento do devedor (o fiduciante) e,
por consequência, uma redução dos juros cobrados nos financiamentos de imóveis.
Com o passar dos anos, o que
era ágil tem se tornado um pesadelo para os credores fiduciários. Decisões
conflitantes e interpretações equivocadas de nossos magistrados têm trazido uma
enorme insegurança jurídica sobre o instituto da alienação fiduciária sobre
bens imóveis, desfigurando-o completamente.
Em recente decisão liminar,
o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) suspendeu o leilão realizado de um
imóvel que havia sido alienado fiduciariamente por terceiros, sob o argumento
da impenhorabilidade do bem de família previsto na Lei nº 8.009, de 29 de março
de 1990. A liminar suspendeu os efeitos da consolidação da propriedade pela
credora, do leilão e da arrematação em hasta pública, sob o argumento de que se
tratava de “imóvel oferecido em garantia fiduciária por terceiros, para
garantir financiamento que aparentemente não beneficiou a entidade familiar”.
O ineditismo dessa decisão
foi a interpretação dada pelo desembargador do TJ-PR sobre a impenhorabilidade
do bem de família em imóveis voluntariamente dados em garantia pelo
devedor/terceiros, tal como no nosso primeiro exemplo acima.
Aqueles que defendem tal
decisão alegam ter havido uma distorção no uso da alienação fiduciária, por ter
usado o imóvel de terceiros (dos pais) em garantia de operação de crédito da
empresa do filho, e não em benefício do casal que nele residia. Mas caberia ao
menos uma pergunta: de que vale o compromisso assumido pelas partes no
contrato? A princípio, não nos parece correto proteger a parte que dá
espontaneamente o seu imóvel em garantia fiduciária e depois alega ser
impenhorável. Sobretudo em tempos de crise ética e moral que vivemos.
Outra decisão recente sobre
a matéria veio do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que manteve o
entendimento de que o devedor fiduciário pode purgar sua mora até a data da
efetiva assinatura do auto de arrematação do leilão, ainda que já tenha
ocorrido a consolidação da propriedade do imóvel em favor do credor-fiduciário,
o que ocorre apenas após o devedor ter sido notificado, dando -lhe oportunidade
para purgar a mora, e o credor ter desembolsado valores relativos ao ITBI.
Um dos argumentos alegados
pelos desembargadores para fundamentar esse entendimento foi no sentido de que
os devedores deveriam ser intimados pessoalmente sobre a data da realização do
leilão, para que pudessem ter a oportunidade de quitar seu débito. Tal decisão,
contudo, acaba por ignorar que o devedor já foi anteriormente notificado e,
portanto, alertado, de que se não purgasse a mora perderia o seu imóvel, bem
como que o devedor nem sequer é mais o proprietário do bem, pois a propriedade
já foi consolidada em nome do credor, após o pagamento do imposto de
transmissão.
Decisões como essas têm sido
alvo de constantes preocupações dos juristas e da sociedade em geral. O
posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que tem prevalecido em
casos como esses caminham no sentido inverso das decisões das instâncias
inferiores. O STJ tem buscado privilegiar o cumprimento dos contratos, por
refletir, em tese, a vontade pretendida pelas partes no início da relação
jurídica, algo que nos parece mais sensato.
Por Elisa Junqueira
Figueiredo e Marcus Swenson de Lima - Fernandes,
Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.
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