Poucas semanas atrás, misturadores de cimento, guindastes,
escavadeiras e trabalhadores em pelo menos quatro diferentes obras residenciais
e comerciais tumultuavam uma estreita rua próxima à Faria Lima, a mais
movimentada via empresarial de São Paulo.
Em um dos vários canteiros de obras de São Paulo, a
atividade juntamente com uma longa fila de empresas que queriam levantar cerca
de 10 bilhões de reais em ofertas públicas iniciais de ações, sugeria que o
mercado imobiliário brasileiro finalmente se recuperava de uma longa crise.
Embora as obras prossigam em muitas das ruas agora
esvaziadas pela pandemia de coronavírus, ao menos uma dúzia de listagens de
ações de construtoras foi cancelada ou adiada.
As ações da Mitre Realty Empreendimentos, que em fevereiro
tornou-se a primeira incorporadora a listar ações na bolsa paulista em mais de
10 anos, despencaram cerca de 39%, superando a queda de 35% do Ibovespa.
“Quando se olha para a bolsa de valores vemos movimentos de
venda por investidores que querem se proteger das incertezas, então não é um
bom momento para IPOs”, afirmou Luiz Antonio França, presidente da Associação
Brasileira das Incorporadoras (Abrainc).
A indústria da construção civil desempenha papel crucial na
economia brasileira, respondendo atualmente por cerca de 4% do Produto Interno
Bruto (PIB) e mais de 5% dos empregos com carteira assinada. Mas o setor foi um
dos que mais sofreu com a recessão que atingiu o país a partir de 2014.
Marcada por inadimplência recorde, distratos e custos de
financiamento altíssimos, a mais recente crise vivida pela construção civil
levou duas incorporadoras a pedir recuperação judicial e outras a reestruturar
suas dívidas.
Agora, mesmo com a taxa de juros em um nível historicamente
baixo de 3,75%, o que normalmente encorajaria financiamentos imobiliários,
brasileiros devem adiar a compra de imóveis em meio a alertas de aumento do
desemprego, à medida que empresas são forçadas a suspender atividades, segundo
agentes do mercado.
“O mercado imobiliário costuma ser um refúgio em tempos de
crise, mas cancelamentos ou adiamento das vendas podem ocorrer se o desemprego
subir”, disse Basilio Jafet, presidente do Sindicato da Habitação (Secovi) de
São Paulo, centro financeiro do Brasil.
Há pouco mais de um mês, o Secovi-SP projetava alta de 10%
nas vendas de novos imóveis residenciais na cidade de São Paulo em 2020 em meio
a expectativas de avanço em importantes reformas econômicas.
Mas esses números devem ser revisados para baixo após o
surto de coronavírus, apesar dos esforços de construtoras para prosseguir com
as vendas por meio de canais digitais enquanto os stands e showrooms seguem
fechados por determinação de autoridades para conter a epidemia.
Conforme dados do Ministério da Saúde, o Brasil tinha 5.571
casos confirmados da doença Covid-19 e 201 mortes até terça-feira, dia 31.
“Parecia um cenário perfeito para o setor imobiliário, com
baixas taxas de juro, atividade econômica se recuperando e vendas começando a
crescer”, disse Guilherme B. Netto, sócio na RBR Asset Management,
especializada em ativos imobiliários. “Agora está tudo incerto.”
Canteiro de obras
Apesar das regras de isolamento social adotadas por decretos
municipais e estaduais e de algumas interrupções no transporte coletivo, as
obras não foram paralisadas, dado que os trabalhos ocorrem a céu aberto.
Um esquema de rodízio para refeições também vem sendo
adotado para reduzir o risco de contaminação pelo coronavírus, acrescentou
Jafet.
“Somos a locomotiva, então se nós pararmos os vagões também
param”, disse José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria
da Construção (CBIC), lembrando que outros 62 setores, incluindo o varejo, são
impactados pela construção civil.
Embora as obras em andamento continuem, incertezas sobre a
duração da crise colocam em risco os lançamentos de novos projetos.
“Não vamos lançar nada do jeito que as coisas estão”, disse
Raphael Horn, co-presidente da Cyrela, em teleconferência recente com analistas
sobre os resultados do quarto trimestre.
O desemprego, que deve disparar com a epidemia do
coronavírus, é a principal preocupação, afirmou o gestor de ativos da Ace
Capital, Gabriel Trebilcock. “As taxas de juros baixas são importantes para o
setor, mas não são tudo. O desemprego precisa cair para impulsionar as vendas.”
Ainda assim, participantes do setor seguem cautelosamente
otimistas, destacando sinais de esperança na China, epicentro inicial do coronavírus.
“A China conseguiu controlar o coronavírus, então só podemos
esperar que o resto do mundo também o fará e não tenho dúvidas de que o mercado
imobiliário se recuperará na mesma velocidade com a qual caiu”, disse França.
Outros se esforçam para manter o cronograma de lançamentos
enquanto for possível.
“Por enquanto, nossa decisão foi lançar os novos projetos
planejados para março e abril também”, contou Eduardo Fischer, co-presidente da
MRV, a maior construtora de imóveis econômicos da América Latina. “Mas em
momentos como esse a decisão de segunda-feira pode não ser a mesma da terça”,
alertou o executivo.
Fonte: Exame
Nenhum comentário:
Postar um comentário