Na última década, verifica-se uma preocupação em torno de
políticas fundiárias para a população que se encontra em situação irregular em
relação aos bens imóveis que estão ocupando. O Brasil é um país com extensões
de terras enormes, mas que em contrapartida possui um sistema jurídico
enfatizado no registro de propriedade, o que se torna pouco condizente com a
realidade de alguns centros urbanos.
Muitos imóveis são construídos em propriedades do governo ou
são subdividos dentro de uma mesma área comum. Nestes casos, utilizar-se de um
título de domínio, nos moldes ortodoxos do Direito das Coisas, acarretaria na
retirada destas pessoas destes imóveis ou na possível dissolução de condomínio.
Isso de fato não resolveria o problema destas famílias, mas proporcionaria uma
situação mais crítica e desumana.
Sabe-se que uma considerável parcela da população vive em
áreas que o sistema mobiliário rígido jamais permitiria garantir-lhes algum
direito, pois vivem em áreas públicas ou que o imóvel de uma família é
repartido em diversos outros menores para abrigar os descendentes.
O Poder Público sensível a estas questões, em 2007, promoveu
o direito real de uso para fins de moradia previsto no artigo 1225, inciso XI,
garantindo a posse para aquelas pessoas que por mais de 5 anos ocupavam
propriedades públicas para fins de moradia. Acrescentou também o inciso XII que
concedia o direito real de uso. Vale dizer que este dispositivo era uma
concessão da União, Estados ou Municípios em prol de pessoas jurídicas ou
entidades sem fins lucrativos, desde que realizassem atividades de interesse
público ou social com aproveitamento econômico. Foi revogada em 2015 e agora retorna
novamente como Direito Real pela Medida Provisória 759 de 22 de dezembro de
2016.
A grande novidade desta Media Provisória foi a introdução do
Inciso XIII no artigo 1225 e a criação do artigo 1510-A que garantem o Direito
de Lage. Este seria a proteção a unidades autônomas que estão dentro de uma
mesma área. Pode ocorrer por sobreposição de um imóvel sobre o outro ou de
forma que não se possa individualizar o bem construído dentro de um mesmo lote.
O importante é que devem ser autônomas uma das outras. Desta forma, garante
proteção àqueles que construíram verticalmente ou horizontalmente na mesma
propriedade. Este tipo de construção é vulgarmente conhecido como “puxadinho”.
Há uma realidade enorme de construções que são realizadas
desta forma no país. É comum em um lote existir mais de uma residência ou
divisão de uma parte comercial e outra residencial. Com o decorrer do tempo,
após o terceiro edificar no terreno, só lhe competia o direito de receber pelas
benfeitorias realizadas quando o imóvel fosse de fato vendido ou este
resolvesse sair do bem. O caso era solucionado apenas no âmbito do direito
obrigacional, ou seja, restava-lhe apenas uma indenização.
O Direito de laje permite a individualização da matrícula
referente apenas a esta construção. Não contempla o solo ou demais construções
que podem estar no mesmo terreno. Desta forma, não terá direito à fração ideal
do terreno como sucede nos condomínios edilícios. Tudo ficará restrito à
respectiva edificação realizada.
Poderá o titular do direito de laje transferi-lo a terceiro,
dar como garantia, permutá-lo, etc. É vedado apenas sobrelevações nesta
construção pelo beneficiário, o que se mostra sensata a legislação. Este tipo
de situação ocorre de forma inicialmente consensual do titular do imóvel que
permite esta edificação por parte do não proprietário. Logo, ao adquirir o
respectivo direito não pode este ser um multiplicador de construções o que
impactaria demasiadamente o titular do terreno no seu direito de disposição da
coisa.
A origem do direito de laje seria um dos atributos da
propriedade que são: usar, gozar, dispor e reaver. No caso, é o poder de
disposição. Sabe-se o titular abre mão de parte de sua propriedade para que
outro construa. O que, até então, seria um ato revogável, podendo o titular
reaver a coisa, obviamente, sendo indenizado pela construção realizada. Ocorre
que pela Medida Provisória 759 tal atribuição torna-se um direito real com
viabilidade de registro imobiliário, tendo o adquirente os atributos similares
ao da propriedade, portanto, poderá alugar o bem, vendê-lo, etc.
Importante frisar que o beneficiário terá obrigações
decorrentes deste direito como os encargos e tributos de sua construção. Tal
previsão legal é pertinente, visto que a abertura de uma matrícula torna o bem
distinto do outro, logo também deverá possuir um índice cadastral na respectiva
prefeitura onde se localiza o imóvel e sujeitar-se aos impostos decorrentes da
ocupação residencial ou comercial.
Há certas dúvidas sobre quem pode requerer o direito de laje:
se compete à abertura do pelo titular do terreno ou pelo ocupante da respectiva
construção. No caso, como o procedimento de abertura de matrícula é um ato
voluntário e não litigioso, compreende-se que só poderá ser realizado pelo
titular do imóvel, podendo registrá-lo em nome próprio ou por escritura de
doação transferi-lo ao terceiro beneficiário. O ocupante da construção só
poderá realizar o registro por iniciativa própria se requer o direito por via
judicial e obter uma sentença favorável.
No caso de divórcio, dissolução de união estável ou
falecimento do titular do direito de laje haverá as repercussões jurídicas
decorrentes. Dependendo do regime de casamento, se for o de comunhão parcial
dos bens e o direito de laje foi adquirido durante a constância do matrimônio,
este será repartido entre os cônjuges. O mesmo sucede no caso de união estável
se não for pactuado outro tipo de regime de bens. No caso de falecimento também
se observará sua transmissão aos herdeiros necessários e sofre os mesmos efeitos
do direito real de habitação do cônjuge sobrevivente.
Outra forma que se pode adquirir o direito de laje é por
meio da usucapião. É possível usucapir o direito existente como sucede no caso
de propriedade, usufruto, servidão, etc. O beneficiário do direito de laje
poderá abandonar a coisa e um terceiro de forma mansa, pacífica e ininterrupta
observando o prazo que a lei determinar preencher os requisitos para a
usucapião.
Ao que parece a Medida Provisória visa a tentar solucionar
os problemas imobiliários desta natureza existentes no país, mas se esbarra em
uma questão importantíssima que é o princípio da temporalidade. Não se pode
aplicar uma lei para questões pretéritas. O Direito criado só alcançará
situações fáticas ocorridas após a publicação da Medida Provisória. Desta
forma, as construções realizadas desta forma anteriores à entrada em vigor não
terão em tese este benefício. Por outro aspecto, é salutar porque o titular do
imóvel ao ceder para construir em seu terreno não poderia ser surpreendido por
uma legislação à época inexistente que implicou em restrições no seu imóvel sem
que concordasse com isso. Desta forma, apenas as construções realizadas a
partir do dia 23 de dezembro de 2016 sofreram estes efeitos.
A única forma de regularização de construções anteriores a
Medida Provisória seria pelo ato voluntário do titular da coisa de resolver
fazê-lo junto ao cartório de registro de imóvel para ceder o direito ao
beneficiário. Em relação àquele que construiu e necessita de requerer via
judicial, deverá observar se a construção ocorreu posterior à vigência da norma
para ter o respectivo direito.
Alguns doutrinadores firmam o entendimento que o direito de
laje previsto no inciso XIII do artigo 1225 seria uma espécie de direito de
superfície. Discorda-se porque deste entendimento, visto que há certas
peculiaridades nos dois institutos. O Direito de superfície tanto o previsto no
próprio código civil no artigo 1225, II quanto o existente no Estatuto da
Cidade (Lei 10.257/2001) no artigo 21 que diz: “O proprietário urbano poderá
conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado
ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro
de imóveis” tem na sua essência o ato de revogabilidade. Ainda que haja o ato
de ceder ao outro do direito de uso do terreno para construir este poderá ser
interrompido e o bem retorna ao titular do terreno. O direito de laje não
possui esta característica, inclusive o beneficiário deste direito torna-se o
seu autêntico titular, sem possibilidade do ato ser revogado e o bem ficar em
favor do proprietário do terreno.
O novo direito real acrescido no artigo 1225, XIII reforça a
percepção de regularizar a posse de situações fáticas que não eram abrangidas
pelo Direito. O reconhecimento do direito de laje pelo ordenamento jurídico é
de suma importância porque protege a posse daquele que construiu em terreno de
terceiro, garantindo-lhe proteção jurídica de maior alcance, saindo do aspecto
meramente obrigacional. Por outro lado, é uma realidade nacional construções
feitas desta forma, o que acarretou em vários imóveis com registros irregulares
que poderão ser regularizados.
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