O tombamento pode ser de bens móveis ou imóveis. Quanto aos
bens imóveis, sabe-se que o Estado tem o direito de intervir na propriedade das
pessoas por suas diversas formas. Em um dos artigos deste site, expliquei a
respeito da expropriação e desapropriação, que você pode ler ao clicar neste
link.
Neste momento, falaremos apenas do tombamento e analisaremos
todas as suas espécies, fundamentos, efeitos, locação e venda, e possíveis
indenizações.
TOMBAMENTO
Embora a palavra "tombamento" confunda muitas
pessoas, levando-as a considerarem que é "tombar/derrubar",
juridicamente falando, o sentido é outro.
A Secretaria da Comunicação Social e da Cultura aponta que a
palavra "tombamento" possui origem portuguesa e significa fazer um
registro do patrimônio de alguém em livros específicos num órgão de Estado que
cumpre tal função. Ou seja, registrar algo que é de valor para uma comunidade
protegendo-o por meio de legislação específica.
No caso do tombamento, o Estado não derruba os bens móveis
ou imóveis. O que ele faz é cultivar o patrimônio histórico, cultural,
arquitetônico, ambiental e de valor afetivo pela população.
O tombamento pode ser feito pela União, através do Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pelo Governo Estadual, através da
Secretaria de Estado da Cultura - CPC, ou pelas administrações municipais que
dispuserem de leis específicas. Pode ocorrer também em escala mundial,
reconhecendo algo como Patrimônio da Humanidade, o que é feito pelo
ICOMOS/UNESCO, como estipula a Secretaria da Cultura.
De acordo com o Decreto Lei n. 25/37, que trata da
organização e proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, seu artigo
1º explica o que abarca o patrimônio protegido:
Art. 1º constitui o patrimônio histórico e artístico
nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja
conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos
memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico
ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
Ademais, também podem ser tombados os monumentos naturais,
sítios e paisagens, pois equiparam-se aos bens de interesse público, segundo
estipula o art. 1º, § 2º do mencionado Decreto.
A previsão do tombamento não está somente em Decreto Lei,
mas também na Constituição da Republica Federativa do Brasil, precisamente no
artigo 216 da mesma. Vejamos os termos, in verbis:
Art. 216 Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens
de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Pois bem. Podemos perceber então, que o Estado protegerá
esses bens com a finalidade de não perderem sua identidade, não serem
destruídos ou descaracterizados, mas ainda assim continuarão pertencendo ao
proprietário.
Desta forma, o proprietário terá ainda aquele objeto ou
aquele imóvel, só que não poderá realizar determinas alterações, justamente
para manter o patrimônio como está.
São exemplos de bens móveis passíveis de tombamento:
fotografias, livros, acervos, obras de arte, edifícios, ruas, praças, dentre
muitos outros. A Secretaria da Cultura aponta que "somente é aplicado a
bens de interesse para a preservação da memória e referenciais coletivos, não
sendo possível utilizá-lo como instrumento de preservação de bens que sejam
apenas de interesse individual."
Ainda, a Secretaria da Cultura complementa que é importante
que os bens tombados sejam conjuntos significantes, e não objetos isolados.
ESPÉCIES DE TOMBAMENTO
O tombamento pode se dar de forma voluntária ou compulsória,
bem como de ofício, quando este se tratar da União, Estados e Municípios.
Na voluntária, o interesse pelo bem tombado é do
proprietário, e o Estado aceitará tombá-lo desde que haja os requisitos
exigidos para ser considerado parte integrante do patrimônio histórico e
artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, ou se o proprietário anuir, por escrito, à
notificação para a inscrição do bem em um dos Livros do Tombo.
Para não omitir informações, vejamos os quatro Livros do
Tombo que existem, de acordo com o artigo 4º do DL n. 25/37:
1) Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico;
2) Livro do Tombo Histórico;
3) Livro do Tombo das Belas Artes;
4) Livro do Tombo das Artes Aplicadas.
Por sua vez, na forma compulsória do tombamento, o interesse
parte do poder público, quando o proprietário não quiser o anuir à inscrição da
coisa, e será realizado da forma exposta no artigo 9º do DL n. 25/37.
Observamos:
Art. 9º
1) o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
por seu órgão competente, notificará o proprietário para anuir ao tombamento,
dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, ou
para, si o quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as razões de sua
impugnação.
2) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado.
que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
mandará por simples despacho que se proceda à inscrição da coisa no competente
Livro do Tombo.
3) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado,
far-se-á vista da mesma, dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que
houver emanado a iniciativa do tombamento, afim de sustentá-la. Em seguida,
independentemente de custas, será o processo remetido ao Conselho Consultivo do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que proferirá decisão a
respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento. Dessa
decisão não caberá recurso.
Assim, podemos compreender que o proprietário será
notificado para anuir o tombamento, no prazo de 15 dias, ou então impugnar
(dizer o motivo de não concordar), também no prazo de 15 dias. Caso não haja
impugnação, o bem será inscrito no Livro do Tombo. Por outro lado, se houver
impugnação, a mesma será analisada pelo Conselho, que decidirá, em 60 dias, se
tombará ou não a coisa, cuja decisão será irrecorrível.
FUNDAMENTOS DO TOMBAMENTO
Há três fundamentos envolvidos quando se trata de
tombamento, quais sejam: supremacia do interesse público, função social da
propriedade e plano nacional da cultura.
A supremacia do interesse público consiste em fazer o que é
melhor e mais adequado à população, pois a coletividade deve vir em primeiro
lugar. Desta forma, o interesse público é superior ao do particular. O
tombamento possui este fundamento, pois o Estado pode tombar os bens para
cultivar o patrimônio dos mesmos, haja vista seu direito de assim fazer.
Já a função social da propriedade é referente aos bens
imóveis e está prevista constitucionalmente. Sua relação com o tombamento é
proteger e manter sua preservação histórica, cultural, arquitetônica, ambiental
ou de valor afetivo à população (art. 5º, XXIII e 170, III, CRFB/88).
Por fim, o plano nacional da cultura, também com disposição
constitucional, faz menção à importância da cultura para a sociedade. Por conta
disto, os bens podem ser tombados pelo Estado para assim garantir este direito,
bem como para incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais
(art. 215, § 3º, CRFB/88).
EFEITOS DO TOMBAMENTO
Explicado o que é tombamento e quais são suas formas, vamos
agora ver seus efeitos jurídicos, presentes no Capítulo III do DL n. 25/37.
Neste patamar, o professor e doutrinador Pedro Lenza (2018, p. 182/183), resume
muito bem a questão e a divide em seis pontos principais:
a) As coisas tombadas que pertençam à União, aos Estados, ou
aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma a
outra das referidas entidades;
b) A coisa tombada não poderá sair do país, senão por curto
prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo
do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional;
c) As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser
destruídas, demolidas ou mutiladas, sem prévia autorização especial do Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou
restauradas, sob pena de multa de 50% do dano causado.
d) Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer
construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, sem nela colocar anúncios
ou cartazes, sob pena de mandado destruir a obra ou retirar o objeto,
impondo-se neste caso a multa de 50% do valor do mesmo objeto.
e) O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de
recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma
requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente
ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
f) Com a entrada em vigor do CPC/2015, o instituto do
"direito de preferência", desde sempre previsto no Decreto-Lei n
25/37, foi revogado.
A VENDA E A LOCAÇÃO DO BEM TOMBADO
Muitos podem imaginar que um bem tombado não pode ser
vendido ou alugado, mas na verdade pode sim. Contudo, para que isto ocorra, o
bem deve continuar sendo preservado, com todas as características que possuía
na data da sua inscrição no Livro do Tombo. Assim sendo, o tombamento não
altera as características fundamentais da propriedade privada, especialmente a
compra, a venda e a hereditariedade.
A Secretaria da Cultura afirma que "a partir da
Constituição de 1988, a propriedade privada não se sobrepõe aos interesses
sociais. No Capítulo 1º, Artigo 5º , parágrafo XXIII da Constituição Federal
está disposto que a propriedade atenderá à sua função social".
No caso de venda, o proprietário deverá notificar
previamente a instituição que efetuou o tombamento para que esta atualize seus
dados.
INDENIZAÇÃO
Em regra, o tombamento não dará causa a indenização, mas há
exceção se o proprietário comprovar que a restrição lhe causou prejuízo.
* As imagens são do Centro Histórico de João Pessoa (PB).
Fonte: Bianca Ragasini, Formada em Direito pela Universidade
de Taubaté.
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