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terça-feira, 10 de março de 2020

Tudo o que você precisa saber a respeito do tombamento no direito administrativo

O tombamento pode ser de bens móveis ou imóveis. Quanto aos bens imóveis, sabe-se que o Estado tem o direito de intervir na propriedade das pessoas por suas diversas formas. Em um dos artigos deste site, expliquei a respeito da expropriação e desapropriação, que você pode ler ao clicar neste link. 

Neste momento, falaremos apenas do tombamento e analisaremos todas as suas espécies, fundamentos, efeitos, locação e venda, e possíveis indenizações. 

TOMBAMENTO

Embora a palavra "tombamento" confunda muitas pessoas, levando-as a considerarem que é "tombar/derrubar", juridicamente falando, o sentido é outro. 

A Secretaria da Comunicação Social e da Cultura aponta que a palavra "tombamento" possui origem portuguesa e significa fazer um registro do patrimônio de alguém em livros específicos num órgão de Estado que cumpre tal função. Ou seja, registrar algo que é de valor para uma comunidade protegendo-o por meio de legislação específica.
No caso do tombamento, o Estado não derruba os bens móveis ou imóveis. O que ele faz é cultivar o patrimônio histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e de valor afetivo pela população. 

O tombamento pode ser feito pela União, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pelo Governo Estadual, através da Secretaria de Estado da Cultura - CPC, ou pelas administrações municipais que dispuserem de leis específicas. Pode ocorrer também em escala mundial, reconhecendo algo como Patrimônio da Humanidade, o que é feito pelo ICOMOS/UNESCO, como estipula a Secretaria da Cultura.

De acordo com o Decreto Lei n. 25/37, que trata da organização e proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, seu artigo 1º explica o que abarca o patrimônio protegido:
Art. 1º constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. 

Ademais, também podem ser tombados os monumentos naturais, sítios e paisagens, pois equiparam-se aos bens de interesse público, segundo estipula o art. 1º, § 2º do mencionado Decreto. 

A previsão do tombamento não está somente em Decreto Lei, mas também na Constituição da Republica Federativa do Brasil, precisamente no artigo 216 da mesma. Vejamos os termos, in verbis:

Art. 216 Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Pois bem. Podemos perceber então, que o Estado protegerá esses bens com a finalidade de não perderem sua identidade, não serem destruídos ou descaracterizados, mas ainda assim continuarão pertencendo ao proprietário.
Desta forma, o proprietário terá ainda aquele objeto ou aquele imóvel, só que não poderá realizar determinas alterações, justamente para manter o patrimônio como está.
São exemplos de bens móveis passíveis de tombamento: fotografias, livros, acervos, obras de arte, edifícios, ruas, praças, dentre muitos outros. A Secretaria da Cultura aponta que "somente é aplicado a bens de interesse para a preservação da memória e referenciais coletivos, não sendo possível utilizá-lo como instrumento de preservação de bens que sejam apenas de interesse individual."

Ainda, a Secretaria da Cultura complementa que é importante que os bens tombados sejam conjuntos significantes, e não objetos isolados. 

ESPÉCIES DE TOMBAMENTO

O tombamento pode se dar de forma voluntária ou compulsória, bem como de ofício, quando este se tratar da União, Estados e Municípios. 

Na voluntária, o interesse pelo bem tombado é do proprietário, e o Estado aceitará tombá-lo desde que haja os requisitos exigidos para ser considerado parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou se o proprietário anuir, por escrito, à notificação para a inscrição do bem em um dos Livros do Tombo. 

Para não omitir informações, vejamos os quatro Livros do Tombo que existem, de acordo com o artigo 4º do DL n. 25/37: 

1) Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico;
2) Livro do Tombo Histórico;
3) Livro do Tombo das Belas Artes;
4) Livro do Tombo das Artes Aplicadas.

Por sua vez, na forma compulsória do tombamento, o interesse parte do poder público, quando o proprietário não quiser o anuir à inscrição da coisa, e será realizado da forma exposta no artigo 9º do DL n. 25/37. Observamos:

Art. 9º
1) o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão competente, notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, ou para, si o quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as razões de sua impugnação.

2) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado. que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por simples despacho que se proceda à inscrição da coisa no competente Livro do Tombo.

3) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma, dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do tombamento, afim de sustentá-la. Em seguida, independentemente de custas, será o processo remetido ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento. Dessa decisão não caberá recurso.

Assim, podemos compreender que o proprietário será notificado para anuir o tombamento, no prazo de 15 dias, ou então impugnar (dizer o motivo de não concordar), também no prazo de 15 dias. Caso não haja impugnação, o bem será inscrito no Livro do Tombo. Por outro lado, se houver impugnação, a mesma será analisada pelo Conselho, que decidirá, em 60 dias, se tombará ou não a coisa, cuja decisão será irrecorrível. 

FUNDAMENTOS DO TOMBAMENTO

Há três fundamentos envolvidos quando se trata de tombamento, quais sejam: supremacia do interesse público, função social da propriedade e plano nacional da cultura. 

A supremacia do interesse público consiste em fazer o que é melhor e mais adequado à população, pois a coletividade deve vir em primeiro lugar. Desta forma, o interesse público é superior ao do particular. O tombamento possui este fundamento, pois o Estado pode tombar os bens para cultivar o patrimônio dos mesmos, haja vista seu direito de assim fazer.

Já a função social da propriedade é referente aos bens imóveis e está prevista constitucionalmente. Sua relação com o tombamento é proteger e manter sua preservação histórica, cultural, arquitetônica, ambiental ou de valor afetivo à população (art. 5º, XXIII e 170, III, CRFB/88).

Por fim, o plano nacional da cultura, também com disposição constitucional, faz menção à importância da cultura para a sociedade. Por conta disto, os bens podem ser tombados pelo Estado para assim garantir este direito, bem como para incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais (art. 215, § 3º, CRFB/88).

EFEITOS DO TOMBAMENTO

Explicado o que é tombamento e quais são suas formas, vamos agora ver seus efeitos jurídicos, presentes no Capítulo III do DL n. 25/37. Neste patamar, o professor e doutrinador Pedro Lenza (2018, p. 182/183), resume muito bem a questão e a divide em seis pontos principais: 

a) As coisas tombadas que pertençam à União, aos Estados, ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser transferidas de uma a outra das referidas entidades;
b) A coisa tombada não poderá sair do país, senão por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional;
c) As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser destruídas, demolidas ou mutiladas, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de 50% do dano causado.
d) Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, sem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de mandado destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de 50% do valor do mesmo objeto.
e) O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
f) Com a entrada em vigor do CPC/2015, o instituto do "direito de preferência", desde sempre previsto no Decreto-Lei n 25/37, foi revogado.

A VENDA E A LOCAÇÃO DO BEM TOMBADO

Muitos podem imaginar que um bem tombado não pode ser vendido ou alugado, mas na verdade pode sim. Contudo, para que isto ocorra, o bem deve continuar sendo preservado, com todas as características que possuía na data da sua inscrição no Livro do Tombo. Assim sendo, o tombamento não altera as características fundamentais da propriedade privada, especialmente a compra, a venda e a hereditariedade. 

A Secretaria da Cultura afirma que "a partir da Constituição de 1988, a propriedade privada não se sobrepõe aos interesses sociais. No Capítulo 1º, Artigo 5º , parágrafo XXIII da Constituição Federal está disposto que a propriedade atenderá à sua função social".

No caso de venda, o proprietário deverá notificar previamente a instituição que efetuou o tombamento para que esta atualize seus dados.

INDENIZAÇÃO
Em regra, o tombamento não dará causa a indenização, mas há exceção se o proprietário comprovar que a restrição lhe causou prejuízo. 

* As imagens são do Centro Histórico de João Pessoa (PB). 

Fonte: Bianca Ragasini, Formada em Direito pela Universidade de Taubaté.

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