Comprar um imóvel sem os devidos cuidados pode ser uma
verdadeira caixinha de surpresas - muitas vezes desagradável.
Pensando nisso e pretendendo trazer mais informações sobre o
que é necessário para uma compra segura, este é mais um artigo que escrevemos
sobre o relevante tema.
Anteriormente, falamos a respeito do perigo da compra de
imóvel "sem escritura" e a importância do registro da aquisição na
respectiva matrícula, no cartório de registro de imóveis.
Mas, além do registro em si, existem muitas outras
providências a cargo do comprador para que o negócio seja seguro, sendo que as
principais delas consistem em pesquisas a respeito dos vendedores, antigos
proprietários e do próprio imóvel!
E, em se tratando de compra de bem em condomínio, uma das
consultas mais importantes a ser feita é quanto à inexistência de débitos
condominiais.
O STJ - Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão,
considerou possível a penhora do próprio bem imóvel para pagamento de dívidas
de condomínio, ainda que o atual proprietário não tenha sequer figurado como
réu na ação.
Vejamos parte da ementa daquele julgamento:
Em se tratando a dívida de condomínio de obrigação propter
rem¹ e partindo-se da premissa de que o próprio imóvel gerador das despesas
constitui garantia ao pagamento da dívida, o proprietário do imóvel pode ter
seu bem penhorado no bojo de ação de cobrança, já em fase de cumprimento de
sentença, da qual não figurou no polo passivo.
(...)
Em regra, deve prevalecer o interesse da coletividade dos
condôminos, permitindo-se que o condomínio receba as despesas indispensáveis e
inadiáveis à manutenção da coisa comum.²
Esse comprador, desatento, certamente não realizou as
conferências no momento da aquisição e não conseguirá impedir que o imóvel seja
executado, a não ser que pague o débito.
O ponto crucial que torna o quadro ainda mais grave e
perigoso, vale lembrar, é que o atual proprietário sequer poderá alegar que o
imóvel é seu bem de família, ainda que cumpra os requisitos do artigo 1º da Lei
8.009/90.
Imaginemos, assim, a seguinte situação:
O comprador, com muito suor e esforço, junta o valor
necessário e adquire aquele tão sonhado imóvel próprio;
Para tanto, utilizou todas as suas economias, gasto o que
tinha e o que "não tinha" para viabilizar o negócio;
Ele não possui nenhum outro bem residencial e utiliza o
imóvel adquirido para residência sua e de sua família;
Porém, antes da compra, não verificou junto ao condomínio a
existência de eventuais débitos condominiais, tampouco se existiam ações de
cobrança perante o Judiciário;
Agora, é surpreendido com uma intimação judicial acerca da
penhora do imóvel para saldar um enorme débito de condomínio.
Restará ao atual proprietário saldar a dívida, ainda que
mediante um acordo com o condomínio, ou não conseguirá evitar que o imóvel seja
executado - indo à leilão ou seja adjudicado.
O leitor pode estar se perguntando: o comprador paga o
vendedor pelo imóvel, o vê indo a leilão e irá para o olho da rua?
Ainda que esse seja o pior cenário, a resposta é SIM.
Para ficar claro, será considerado bem de família o imóvel
residencial próprio do casal, ou da entidade familiar compreendendo a
construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os
equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa,
desde que quitados.
Declarado como bem de família, o imóvel não responderá por
qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra
natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus
proprietários e nele residam.
Contudo, este benefício não funciona para dívida do próprio
condomínio.
Isto porque, por se tratar de débito gerado pelo próprio
imóvel, acaba entrando em uma das exceções da Lei do Bem de Família que afastam
a impenhorabilidade do imóvel residencial:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo
de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza,
salvo se movido:
(...)
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial,
taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
E o que o comprador pode fazer? Simplesmente aceitar e
terminar "com uma mão na frente e a outra atrás"?
A ele existem alguns caminhos e tentativas, mas, em tese, é
mais provável que somente seja aceita, pelo Judiciário, uma ação de regresso em
face do vendedor a fim de cobrar todo o prejuízo sofrido.
A nota desanimadora é que, se por um lado, o atual
proprietário já será intimado da execução em fase extremamente avançada, de
outro, uma ação indenizatória em face do vendedor poderá demorar anos (e isso
se conseguir receber algo ao final!).
Por tais razões, insistimos que toda compra de imóvel exige
cuidadosa análise jurídica a fim de evitar enormes problemas no futuro.
Conclui-se, portanto, que todo este problema simplesmente
não existiria se, ao tempo da compra e venda, o comprador tivesse realizado
consulta perante o condomínio, ou, ainda, exigisse a apresentação de certidão
neste sentido pelo vendedor.
...............................................................................................................................
¹ Obrigação propter rem é aquela vinculada ao bem,
independentemente da pessoa do titular.
² RECURSO ESPECIAL Nº 1.829.663 - SP (2016/0174058-5), Rel.
Ministra Nancy Andrighi, Julgado no STJ em 05/11/2019.
...............................................................................................................................
Disclaimers importantes para evitar interpretações
equivocadas:
Importante1: sabemos que, muitas vezes, o comprador saberá a
respeito de débitos ainda que não peça a certidão, uma vez que serviços básicos
como fornecimento de água e gás podem estar atrelados à contribuição
condominial.
Importante2: O atual proprietário poderá firmar um acordo
com o condomínio a fim de pagar o débito de forma mais facilitada. Porém, não é
aconselhável contar com essa possibilidade.
...............................................................................................................................
Fonte: Bruno Angeli Perelli, Advogado Cível, Imobiliário
Nenhum comentário:
Postar um comentário