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quinta-feira, 5 de março de 2020

Comprou imóvel e não fez consulta junto ao condomínio? Cuidado, o bem pode ser executado!

Comprar um imóvel sem os devidos cuidados pode ser uma verdadeira caixinha de surpresas - muitas vezes desagradável.

Pensando nisso e pretendendo trazer mais informações sobre o que é necessário para uma compra segura, este é mais um artigo que escrevemos sobre o relevante tema.

Anteriormente, falamos a respeito do perigo da compra de imóvel "sem escritura" e a importância do registro da aquisição na respectiva matrícula, no cartório de registro de imóveis.

Mas, além do registro em si, existem muitas outras providências a cargo do comprador para que o negócio seja seguro, sendo que as principais delas consistem em pesquisas a respeito dos vendedores, antigos proprietários e do próprio imóvel!

E, em se tratando de compra de bem em condomínio, uma das consultas mais importantes a ser feita é quanto à inexistência de débitos condominiais.

O STJ - Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, considerou possível a penhora do próprio bem imóvel para pagamento de dívidas de condomínio, ainda que o atual proprietário não tenha sequer figurado como réu na ação.

Vejamos parte da ementa daquele julgamento:

Em se tratando a dívida de condomínio de obrigação propter rem¹ e partindo-se da premissa de que o próprio imóvel gerador das despesas constitui garantia ao pagamento da dívida, o proprietário do imóvel pode ter seu bem penhorado no bojo de ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não figurou no polo passivo.

(...)

Em regra, deve prevalecer o interesse da coletividade dos condôminos, permitindo-se que o condomínio receba as despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum.²

Esse comprador, desatento, certamente não realizou as conferências no momento da aquisição e não conseguirá impedir que o imóvel seja executado, a não ser que pague o débito.

O ponto crucial que torna o quadro ainda mais grave e perigoso, vale lembrar, é que o atual proprietário sequer poderá alegar que o imóvel é seu bem de família, ainda que cumpra os requisitos do artigo 1º da Lei 8.009/90.

Imaginemos, assim, a seguinte situação:

O comprador, com muito suor e esforço, junta o valor necessário e adquire aquele tão sonhado imóvel próprio;

Para tanto, utilizou todas as suas economias, gasto o que tinha e o que "não tinha" para viabilizar o negócio;

Ele não possui nenhum outro bem residencial e utiliza o imóvel adquirido para residência sua e de sua família;

Porém, antes da compra, não verificou junto ao condomínio a existência de eventuais débitos condominiais, tampouco se existiam ações de cobrança perante o Judiciário;

Agora, é surpreendido com uma intimação judicial acerca da penhora do imóvel para saldar um enorme débito de condomínio.

Restará ao atual proprietário saldar a dívida, ainda que mediante um acordo com o condomínio, ou não conseguirá evitar que o imóvel seja executado - indo à leilão ou seja adjudicado.

O leitor pode estar se perguntando: o comprador paga o vendedor pelo imóvel, o vê indo a leilão e irá para o olho da rua?

Ainda que esse seja o pior cenário, a resposta é SIM.

Para ficar claro, será considerado bem de família o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar compreendendo a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Declarado como bem de família, o imóvel não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.

Contudo, este benefício não funciona para dívida do próprio condomínio.

Isto porque, por se tratar de débito gerado pelo próprio imóvel, acaba entrando em uma das exceções da Lei do Bem de Família que afastam a impenhorabilidade do imóvel residencial:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

(...)

IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

E o que o comprador pode fazer? Simplesmente aceitar e terminar "com uma mão na frente e a outra atrás"?

A ele existem alguns caminhos e tentativas, mas, em tese, é mais provável que somente seja aceita, pelo Judiciário, uma ação de regresso em face do vendedor a fim de cobrar todo o prejuízo sofrido.

A nota desanimadora é que, se por um lado, o atual proprietário já será intimado da execução em fase extremamente avançada, de outro, uma ação indenizatória em face do vendedor poderá demorar anos (e isso se conseguir receber algo ao final!).

Por tais razões, insistimos que toda compra de imóvel exige cuidadosa análise jurídica a fim de evitar enormes problemas no futuro.

Conclui-se, portanto, que todo este problema simplesmente não existiria se, ao tempo da compra e venda, o comprador tivesse realizado consulta perante o condomínio, ou, ainda, exigisse a apresentação de certidão neste sentido pelo vendedor.

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¹ Obrigação propter rem é aquela vinculada ao bem, independentemente da pessoa do titular.

² RECURSO ESPECIAL Nº 1.829.663 - SP (2016/0174058-5), Rel. Ministra Nancy Andrighi, Julgado no STJ em 05/11/2019.

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Disclaimers importantes para evitar interpretações equivocadas:

Importante1: sabemos que, muitas vezes, o comprador saberá a respeito de débitos ainda que não peça a certidão, uma vez que serviços básicos como fornecimento de água e gás podem estar atrelados à contribuição condominial.

Importante2: O atual proprietário poderá firmar um acordo com o condomínio a fim de pagar o débito de forma mais facilitada. Porém, não é aconselhável contar com essa possibilidade.

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Fonte: Bruno Angeli Perelli, Advogado Cível, Imobiliário

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