O usufruto trata-se de um negócio jurídico muito vantajoso
em certas situações, como no caso de um pai que quer doar seus bens aos filhos,
antecipando a herança, porém, gostaria de continuar na posse deles até o seu
falecimento, ou então o contrário, gostaria de repassar a atividade de
exploração de uma terra, por exemplo, mas tem vontade de se aposentar e, por
isso, passa o exercício das atividades que desenvolvia aos filhos, todavia,
ainda continua proprietário do imóvel, dentre outras possibilidades.
As hipóteses acima podem ser formalizadas em um contrato,
pois o usufruto trata-se de em um direito real de gozo ou fruição, que consiste
no desmembramento temporário da propriedade, em que o titular do usufruto tem o
direito de usar e perceber os frutos da propriedade, desde que não prejudique a
sua substância (TARTUCE, 2016, p. 425).
Mas antes de analisar algumas regras deste instituto, é
importante conceituar alguns termos, como quem são as partes deste negócio,
vejamos:
a) Usufrutuário: é quem tem os atributos de usar (utilizar)
e fruir (gozar) da coisa, mantendo, deste modo, a posse direta do bem (contato
direito com o bem);
b) Nu-proprietário: é aquele que tem os atributos de
reivindicar (buscar) e dispor (alienar) a coisa, ou seja, ele é o proprietário
do bem e tem apenas a posse indireta da coisa.
Portanto, com o desmembramento da propriedade os atributos
da propriedade ficarão divididos da seguinte forma:
USAR (Usufrutuário)
FRUIR (Usufrutuário)
DISPOR (Nu-proprietário)
REAVER (Nu-proprietário)
Deste modo, ambas as partes possuem a posse do bem, sendo a
do usufrutuário uma posse direta e a do nu-proprietário uma posse indireta e,
com base nisso, as duas partes podem propor ação possessória, devendo, todavia,
o usufrutuário comunicar o nu-proprietário sempre que isso ocorrer (art. 1.406
do CC).
Quanto aos bens sobre os quais pode recair o usufruto, estes
podem ser bens móveis ou imóveis, em patrimônio inteiro ou em parte dele,
abrangendo no todo ou em parte os frutos e as utilidades (art. 1.390, CC).
Ademais, o nu-proprietário não pode locar o bem objeto do
usufruto, pois apenas o usufrutuário tem os atributos de usar e fruir (frutos
civis). Além disso, em regra, o nu-proprietário não pode usar a coisa, pois
usar é apenas um atributo do usufrutuário. Por outro lado, o usufrutuário não
pode vender a coisa, pois é apenas atributo do nu-proprietário dispor dela.
No que tange ao modo de instituição ou quanto à origem, o
usufruto poderá ser classificado como:
1) Legal: quando decorre de norma jurídica e não da vontade
das partes, como exemplo o usufruto dos pais sobre bens dos filhos menores –
art. 1.689, I, CC;
2) Voluntário ou convencional: na hipótese em que decorre da
vontade das partes, podendo ter origem em testamento ou em contrato. Nesta
modalidade pode ser subdividido em usufruto por alienação (o proprietário
concede o usufruto a terceiros e conserva a nua propriedade) ou usufruto por
retenção ou deducto (o proprietário reserva para si o usufruto e transfere a
nua propriedade a um terceiro);
3) Misto: quando decorre de usucapião, sendo que o prazo é
de 10 anos para a usucapião ordinária e 15 anos para a extraordinária,
dependendo ou não da presença de justo título e boa-fé (art. 1.391, CC).
Quanto à duração do negócio jurídico, o usufruto poderá ser:
1) Temporário ou a termo: na instituição do usufruto já se
estabelece seu prazo de duração, sendo que na fluência desse prazo ocorre a
extinção do usufruto. Todavia, quando instituído em favor de pessoa jurídica, o
termo máximo é de 30 anos (art. 1.410, II e III, CC);
2) Vitalício: estipulado a favor da pessoa natural, sem
previsão de prazo ou termo final, se extinguindo com a morte do usufrutuário
(art. 1.410, I e art. 1.411, CC).
Vale lembrar que o usufruto de imóveis, quando não resultar
de usucapião ou for legal, constitui-se mediante registro no Cartório de
Registro de Imóveis (art. 1.391, CC).
Ademais, o usufruto é intransmissível, porém, seu exercício
poderá ser cedido por título oneroso ou gratuito. Bem como ele é impenhorável,
todavia, admite-se a penhora dos frutos e rendimentos que decorrem dele,
conforme o Informativo nº 443 do STJ. Contudo, a nua propriedade admite a
penhora, ficando a salvo o direito real de usufruto (STJ, REsp 925.687/DF), de
modo que a nua propriedade só não pode ser bem de penhora quando for bem de
família (STJ, REsp 950.663/SC).
Os direitos do usufrutuário estão listados entre os artigos
1.394 a 1.399 do CC e são os seguintes:
a) Posse direta, uso (utilização livre do bem, respeitadas
as restrições legislativas), administração e percepção dos frutos (bens
acessório que se retirados do principal não diminuem sua essência, abrangendo,
neste caso, os frutos naturais, como frutas; industriais, como o cimento; e
civis, como o aluguel (art. 1.394, CC);
b) Percepção dos frutos naturais pendentes (que não foram
colhidos) ao começar o usufruto, sem encargo de pagar as despesas da produção
desses frutos (art. 1.396, caput, CC), porém, os frutos pendentes ao cessar o
usufruto, serão do nu-proprietário, também sem compensação de despesas (art.
1.396, parágrafo único, CC). A colheita indevida dos frutos caracteriza culpa,
devendo responder pela sua colheita. Já as crias de animais pertencem ao
usufrutuário, e servem para compensar aquelas que se perderem durante o
usufruto (art. 1.397, CC). Se as crias se perderem sem culpa do usufrutuário,
ambas as partes sofrem o prejuízo. Em relação aos frutos civis, os que vencem
na data inicial do usufruto pertencem ao proprietário, já os vencidos na data
em que cessa o usufruto, pertencem ao usufrutuário (art. 1.398, CC).
c) O usufrutuário poderá ele mesmo exercer o direito de
usufruir da propriedade ou poderá arrendar o prédio objeto do contrato (Art.
1.399, CC). Todavia, em qualquer caso, o usufrutuário não pode alterar sua
destinação econômica sem expressa autorização do proprietário (usufruto
convencional).
Já os deveres de usufrutuário estão listados entre os
artigos 1.400 e 1.409 do CC, quais sejam:
a) Zelar pela coisa como se fosse sua;
b) Inventariar a sua custa os bens a receber, determinando o
estado em que se acham, e de dar caução usufrutuária, pessoal (fiador) ou real
(penhor ou hipoteca;
c) Pagar as despesas ordinárias de conservação dos bens,
levando em conta o estado em que recebeu (art. 1.403, I, CC). As despesas
extraordinárias e as ordinárias não módicas (despesas superiores a dois terços
do rendimento líquido em um ano) ficam ao encargo do nu-proprietário, se o dono
não as fizer, o usufrutuário pode fazer e cobrar do dono (art. 1.404, CC).
d) Pagar as prestações (condomínio) e os tributos (IPTU ou
ITR) devidos pela posse ou rendimento da coisa (art. 1.403, II, CC);
e) Pagar os juros da dívida ou onerar o patrimônio ou parte
dele (art. 1.405, CC), no caso da universalidade jurídica dos bens. Caso não
haja estipulação dos juros, eles serão legais (art. 406, CC);
f) Dar ciência ao dono de qualquer lesão produzida contra a
posse da coisa ou os direitos deste (art. 1.406, CC). Trata-se de um dever de
informação decorrente da boa-fé objetiva que prepondera no direito civil. Desde
modo, o usufrutuário pode promover ação possessória, todavia, deverá comunicar
ao proprietário;
g) Se a coisa estiver segurada, o pagamento do seguro cabe
ao usufrutuário (art. 1.407, CC).
Por fim, a extinção do usufruto pode se dar das seguintes
formas (art. 1.410, CC):
a) Renúncia do usufrutuário, que não depende de concordância
do nu-proprietário e deve ser feita por escritura pública, exceto se o imóvel
não exceder a 30 salários mínimos (art. 108, CC);
b) Morte do usufrutuário quando o usufruto for vitalício,
todavia, se no usufruto temporário o usufrutuário falecer antes do advento do
termo, o usufruto também se extingue, pois trata-se de um direito
personalíssimo. A morte do nu-proprietário não extingue o usufruto, sendo que
este persiste em relação aos seus herdeiros. No usufruto simultâneo (em favor
de duas ou mais pessoas – art. 1.411, CC), extingue-se só a parte daqueles que
falecerem, persistindo em relação aos outros. Neste caso, pode ser estipulado
que o quinhão do usufrutuário falecido passe aos seus sobreviventes;
c) Termo final de sua duração ou vencimento do prazo, em
havendo usufruto temporário;
d) Cessação do motivo que originou o usufruto. Como exemplo
o usufruto do pai sobre bens no filho menor, este atingindo a maior idade,
acaba com o usufruto;
e) Destruição da coisa: aplica-se aos bens móveis e imóveis.
Todavia, se a coisa estiver segurada, ele não se extingue.
g) Consolidação: quando na mesma pessoa se confundem a
qualidade de usufrutuário e nu-proprietário. Como exemplo quando um pai doa um
imóvel ao filho com reserva de usufruto, de modo que quando o pai morre, a
propriedade consolida-se em nome herdeiro;
h) Culpa do usufrutuário, quando este aliena, deteriora ou
deixa arruinar os bens, ou no usufruto de títulos de crédito, quando não
obedece ao determinado no parágrafo único do art. 1.395, CC[1].
i) Não uso ou não fruição da coisa. Todavia, quanto ao tempo
que isto deve ser avaliado,o Enunciado 252, da III Jornada de Direito Civil,
defende que a extinção independe de prazo, operando-se imediatamente. Todavia,
a corrente majoritária da doutrina entende que deve ser o mesmo prazo estabelecido
para a servidão, isto é, 10 anos. Ademais, o não uso deve ser inequívoco, não
se podendo presumir o abandono do bem (TARTUCE, 2016, p. 451).
Independentemente de como se extingue o usufruto, a
concretizarão do cancelamento somente se dá com o registro perante o Cartório
de Registro de Imóveis (art. 1.410, caput, CC).
[1] Art. 1.395. Quando o usufruto recai em títulos de
crédito, o usufrutuário tem direito a perceber os frutos e a cobrar as
respectivas dívidas.
Parágrafo único. Cobradas as dívidas, o usufrutuário
aplicará, de imediato, a importância em títulos da mesma natureza, ou em
títulos da dívida pública federal, com cláusula de atualização monetária
segundo índices oficiais regularmente estabelecidos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 . Código
Civil. Brasília, 1940. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 21
nov. 2018.
TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 4: direito das coisas. 8.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
Fonte: Miriam de Carli, Advogada