Todos conhecem a história de uma pessoa que recebeu um valor alto de uma ação judicial ou ganhou em alguma loteria e comprou três apartamentos, visando viver da renda destes imóveis locados.
Então, é comum a figura do pai ou a mãe que em vida doa para seus filhos os imóveis, como antecipação de herança, com a cláusula de inalienabilidade para garantir que eles não queimem esse patrimônio. Todavia, essa situação pode afastar o direito de um terceiro que mora em um imóvel por anos? Vamos entender melhor essa situação nesse artigo.
O que é a cláusula de inalienabilidade
A inalienabilidade é uma cláusula estabelecida nos casos de
doação em que o donatário fica impedido de transferir o bem imóvel a terceiros.
Essa cláusula é muito comum nos casos em que os pais querem antecipar a herança
para os filhos, por meio de doação, mas temem que os filhos percam esse
patrimônio e não tenham um futuro garantido como planejaram.
Essa cláusula poderá ser vitalícia ou temporária. Sendo
vitalícia, ela tem vigência enquanto viver o donatário. Já no caso da cláusula
temporária, será definido um prazo de validade e após o seu decurso, o imóvel
poderá ser vendido. Vamos entender melhor com exemplos:
João doou para Pedro, seu único filho, um imóvel para
estabelecer sua moradia. Porém, ciente de que Pedro era jovem e poderia tomar
decisões ruins, estabeleceu uma cláusula de inalienabilidade com vigência por
10 anos. Após esse período, Pedro poderá vender o imóvel.
João doou para Joaquim, seu único filho, um imóvel para
estabelecer sua moradia. Porém, como Joaquim tinha rusgas com sua nova esposa,
temia que ele pudesse depreciar o patrimônio doado, vendendo a preço vil.
Então, para garantir uma morada a seu filho e evitar que o patrimônio da
família não fosse perdido, estabeleceu uma cláusula de inalienabilidade
vitalícia, que terá vigência enquanto Joaquim estiver vivo.
O registro e os efeitos perante terreiros.
Por se tratar de direitos reais, a cláusula de
inalienabilidade presente na doação compreende duas formalidades: a escritura
pública e a averbação na matrícula do imóvel.
No caso da doação de imóveis com valor acima de 30
salários-mínimos, será lavrada uma Escritura Pública de Doação no Cartório de
Notas perante um tabelião, onde será manifestada a vontade de doar o bem
imóvel. Então, este documento será levado ao cartório de registro de imóveis
onde serão pagos os emolumentos e tributos referentes ao ato e por fim, a
averbação junto à matrícula do imóvel, concluindo a doação.
Para o ato ter eficácia os dois requisitos são
indispensáveis, porque se a doação de imóvel acima de 30 vezes o salário-mínimo
for feita em instrumento particular, ela não poderá ser levada a registro e,
caso seja feita em instrumento público, mas não for registrada, não terá
eficácia contra terceiros.
Afinal, é possível usucapião de um imóvel que foi doado?
Superado o conceito de uma da doação com cláusula da
inalienabilidade, vamos abordar essa situação. Imaginemos que uma pessoa mora
em um imóvel que foi fruto de doação com cláusula de inalienabilidade. Por anos
ela pagou os impostos, manteve o imóvel como se fosse seu, com “animus domini”,
mas não é o beneficiário da doação, é um terceiro.
A cláusula de inalienabilidade impede a venda voluntária do
imóvel, todavia ela não pode impedir a usucapião, pois essa é uma forma
originária de aquisição da propriedade. Isso quer dizer que, constituído os
requisitos para alguma das espécies de usucapião, o possuidor passa a ser o
primeiro proprietário, originário, ignorando condições anteriores. É o que
alguns chamam de “aquisição limpa”.
Vale ressaltar que a ação que reconhece a usucapião ou o
procedimento extrajudicial que a reconhece são atos declaratórios, ou seja, o
que constitui a aquisição originária por meio da usucapião é cumprir os
requisitos impostos pela lei. Então, ainda que o doador ou o donatário posteriormente
pleiteiem a reintegração da posse, a comprovação de que os requisitos da
usucapião estão preenchidos possui força suficiente para impedir que o terceiro
possuidor seja retirado do imóvel.
Texto: Fernando Aragone, Advogado, formado na Universidade Santa Cecília, na baixada santista. Especializado em Direito Imobiliário, Contratual, Sucessório e Condominial. Pós-graduando em Advocacia Extrajudicial.
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