Dentre as reflexões, destacamos a necessidade
de um novo posicionamento cultural, sobretudo, quando tratamos da ética, da
integridade, do bom caráter, do zelo ao próximo e às gerações futuras. As
iniciativas neste processo de transformação cultural englobam, por exemplo, as
práticas derivadas dos programas de compliance. A propósito, o que vem a ser
essa ferramenta?
Enquanto conceito, o termo compliance tem
origem no verbo em inglês to comply e significa agir de acordo com regras,
instruções internas, comandos legais ou regulamentatórios. Na verdade, a
amplitude da conformidade deste sistema depende daquele que o adota.
Por força da Lei nº 12.846/13, popularmente
conhecida como Lei Anticorrupcao, as empresas tornaram-se responsáveis
objetivamente pelos atos de corrupção que eventualmente lhes favoreçam, sejam
eles praticados por seus membros, funcionários ou terceiros que ajam em seus
nomes. Além de responsabilizar as corporações, a normativa ainda aderiu à tendência
mundial de valorização dos programas de compliance ao minimizar sanções às
organizações que comprovem tê-los de modo efetivo.
Assim, o tão falado agir correto relacionou-se,
sobretudo, com as práticas anticorrupção. Porém, como exposto no conceito acima,
as condutas não se restringem aos termos subscritos na citada lei, englobando,
em essencialidade, todos os atos que colaborem para a construção de um ambiente
íntegro, sustentável e ético.
Diante desta tendência, as empresas do setor
imobiliário e da construção civil deverão embarcar neste novo modelo para
garantir a perenidade e a sustentabilidade de seus negócios, eis que necessitam
manter suas imagens e reputações distantes de escândalos derivados de práticas
ilegais ou imorais.
Portanto, empresas que até então estavam
acostumadas a resolver as questões comerciais e operacionais de qualquer modo e
por qualquer preço, deixando de avaliar e contabilizar as possíveis
consequências, hoje estão se estabelecendo de uma maneira mais consciente e
coerente, mesmo que ainda timidamente.
Este processo, aparentemente moroso, requer,
primordialmente, a transformação de mindset naqueles que se propõem a fazer
parte dele. Deste modo, abaixo colecionamos gatilhos aptos a provocar reflexões
de mudança na sua organização. São eles:
Direcionado aos sócios, gestores e
colaboradores de imobiliárias:
Quais os riscos de vender um empreendimento
construído a partir de trabalho análogo à escravidão ou de que os materiais
nele utilizados, como madeiras, britas e areia, serem extraídos com
trabalhadores nestas condições? Quanto o seu negócio seria impactado por,
indiretamente, contribuir com a perpetuação destas práticas?
Falando em madeiras, britas e areia, por exemplo,
já imaginou o estande de vendas com o seu nome na frente de um empreendimento
que recebe materiais de origem ilegal e sendo noticiado na TV? Quanto isto
impactaria na sua imagem?
Alguns lembretes importantes:
As imobiliárias precisam se atentar quanto a
importância da sua formação desde o seu planejamento até após a execução da
atividade fim. Deve supervisionar a contratação dos seus colaboradores, como
exemplo os corretores de imóveis, sempre atentos quanto a necessária
regularidade da habilitação profissional dos mesmos, para dar validade ao
exercício da intermediação nas transações imobiliárias. Verificar as condições
do negócio certificando-se quanto aos riscos, antes de oferecê-lo aos clientes,
e zelar de todas as etapas da venda, sobretudo após a conclusão.
Direcionado aos sócios, gestores e
colaboradores de construtoras e incorporadoras:
Você verifica a capacidade financeira de todos
os envolvidos no empreendimento com o intuito de verificar a origem lícita dos
valores investidos?
Sua empresa se preocupa em averiguar as
condutas dos terceiros com os quais mantém relações comerciais através das
contratadas para intermediar a venda do seu empreendimento ou contratadas para
o fornecimento de materiais, como madeiras, britas, areias, mármores etc.?
Já parou para pensar nos riscos pertinentes à
negociação da compra ou permuta de terreno para construção de um empreendimento
ou loteamento?
A falta de atenção quanto às possíveis
situações apresentadas acima, já levaram e ainda levam empresas tradicionais desse
seguimento à falência. Mas acreditem, a solução em que tudo pode ser evitado, à
princípio tende a ser mais árduo e aparentemente mais oneroso, todavia, em
breve perceberão um resultado, incomparavelmente, muito mais satisfatório e
incrivelmente mais rentável.
Alguns lembretes importantes:
Também não custa nada lembrar, quanto às
devidas atenções, as incorporadoras precisam manter sobre a elaboração e
condução dos projetos de incorporação, sobre os riscos inerentes à contratação
de uma empreiteira para a execução da obra, ou sobre a criação de uma SPE
(Sociedade de Propósito Específico) para isolar o risco financeiro da atividade
desenvolvida.
A revisão contratual, seja em qualquer espécie,
deve ser realizada de forma sistemática, caso a caso e periodicamente. E,
falando nisso, podemos também citar aqui, um assunto ainda polêmico, mas que
precisa ser enquadrado em destaque, sobre as alterações contratuais sob a égide
da lei nº 13.786/2018, conhecida como “Lei do Distrato”, momento este no qual
todas as empresas deste seguimento devem estar atentas quanto à readequação às
novas práticas e ao novo modelo contratual de compra e venda de imóveis em
construção.
E, ainda diante das construtoras, é seguro que
o bom planejamento da obra, se torna necessário para o cumprimento das
obrigações e garantias contratuais que versam sobre as condições de prazo para
a entrega da obra.
Como é possível notar, são inúmeras as
precauções que devem ser tomadas.
Dentre esses e tantos outros exemplos, e lista
de “à fazeres” que todo mundo sabe mas não pratica, em um universo sazonal e
sensível, cabe lembrar que está implícito à todas essas questões a tal chamada
“cultura mercadológica” em processo de mudança rumo à evolução, a qual hoje
denotamos a uma nova abordagem.
Em suma, a implementação de um programa de
compliance nesses seguimentos minimizam a ocorrência e os impactos de eventuais
condutas ilícitas ou imorais praticadas por membros da sua empresa ou terceiros
relacionados diretamente à sua atuação. Assim, as ferramentas disponíveis
deverão ser utilizadas para prevenção, pois quem optar por aplicá-las
certamente não experimentará o amargo sabor de ter que remediar depois.
Fonte: Emília Maria Amin de Carvalho, advogada,
atuante no Direito Imobiliário. Associada ao Instituto de Estudos Avançados em
Direito e membro do Núcleo de Direito Imobiliário, Urbanístico e Condominial.