Diante dessas doações, é importante que os interessados
saibam se esta doação do Poder Público foi realmente realizada ou se haveria
necessidade de outros procedimentos para a regularização desse imóvel. Isto
porque caso não haja a correta regularização da propriedade do imóvel, não é
possível que o interessado negocie este imóvel ou o transmita a seus herdeiros,
tornando sua condição de possuidor extremamente precária. A falta da correta
regularização, nestes casos, seria arriscada a ponto de o donatário (aquele que
recebeu a doação) poder inclusive vir a perder este imóvel.
Desta forma, o presente artigo pretende tratar sobre como
poderia o interessado regularizar a propriedade do imóvel recebido em doação
pelo Município. Como de praxe, o assunto será abordado em tópicos para a melhor
compreensão do leitor.
I - Qual o procedimento para a doação de um imóvel público a
um particular?
A lei permite que um imóvel seja doado ao particular e para
tanto alguns requisitos devem ser respeitados. Os requisitos são estipulados
pelo próprio Município, tendo em vista que eles possuem autonomia para legislar
em matéria local (art. 30, I, Constituição Federal). O que significa dizer que
muito embora existam regras em lei federal para tanto, é preciso que sejam
observadas as leis de cada município.
No entanto, com frequência os municípios estabelecem os
seguintes requisitos:
a) Deve existir interesse público devidamente justificado
(art. 17, Lei 8.666/93): o que significa dizer que o poder público não pode
doar um imóvel a seu bel prazer, sem qualquer motivo. Deve haver um interesse
público justificado.
b) Lei específica: Antes de se efetivar a doação, é
necessário que o Município edite lei específica para tanto.
c) Procedimento licitatório (licitação): O procedimento de
licitação está previsto na Lei nº 8.666/93 e deve anteceder a doação de
imóveis. No entanto, em alguns casos este procedimento é dispensado, como por
exemplo aquela doação com interesse público devidamente justificado.
d) Escritura Pública de Doação: A lei estabelece que deve
haver a assinatura de escritura pública, título necessário para a transferência
do imóvel por doação.
Colocados os requisitos acima, é oportuno dizer que o
Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais já se pronunciou a respeito do
assunto, no julgamento da Consulta nº 700.280, veja-se:
“(...) os bens públicos, quaisquer que sejam, podem ser
alienados, por meio de doação a particulares, desde que satisfeitas
determinadas condições, tais como desafetação, se for o caso, autorização
legislativa e, sobretudo, o reconhecimento de interesse público, pois, na
Administração, não se faz o que se quer, mas apenas o autorizado em lei.”.
Com a leitura da decisão acima, observa-se a palavra
"desafetação". Daí pode surgir uma outra dúvida. O que seria
desafetação? Tema a ser tratado no tópico seguinte.
II - O que é desafetação?
Desafetação e afetação são termos que dizem respeito ao fim
que está sendo dado ao bem. Se o imóvel está sendo usado para determinado fim
público, se diz que ele está afetado. Lado outro, se o imóvel não está sendo
utilizado para um fim público, ele está desafetado.
Caso o imóvel a ser doado esteja afetado, o poder público
deve desafetá-lo previamente. Para tanto, existe um procedimento específico,
que poderá ser tratado em um artigo específico, pois foge ao objetivo do
presente artigo.
III - Como regularizar o imóvel doado?
Finalizadas as explicações acima, pergunta-se: Com a
escritura pública o particular se tornar o proprietário do imóvel?
Não, não se torna seu proprietário. Observe que após a
assinatura da Escritura Pública ela deve ser levada a registro no Cartório de
Registro de Imóveis Competente. Se diz competente porque o cartório de registro
de imóveis não pode ser de livre escolha do interessado. Deve ser aquele em que
está registrado o imóvel.
Na prática, o interessado deverá levar a escritura pública
para que seja registrada na matrícula do imóvel. O oficial de registro avaliará
o título e se posicionará da seguinte maneira: ou ele a registrará, sem maiores
dúvidas; ou devolverá uma nota de exigência ao interessado, solicitando outros
documentos para o registro.
Caso haja exigência, o interessado poderá apresentar todos
os documentos para o efetivo registro ou, discordando da posição do
registrador, poderá discutir a questão de forma a argumentar seu ponto de
vista. Isto deverá ser feito através de um procedimento chamado suscitação de
dúvida. Procedimento este que poderá ser abordado com maiores detalhes em
artigo específico.
IV - Pode haver complicação no procedimento de
regularização?
O principal documento do imóvel é sua matrícula, um documento
que fica arquivado no cartório de registro de imóveis. Com a leitura deste
documento, é possível verificar um histórico do imóvel, quem foi seu primeiro
proprietário e quem foram os proprietários seguintes, as doações e muitos
gravames que possam incidir sobre o imóvel.
A sistemática dos cartórios exige que este histórico siga
uma ordem cronológica. Em outras palavras, o imóvel deve primeiro pertencer ao
proprietário A, ser passado ao B e só então ao C. Não se pode pular etapas.
Tecnicamente isto se chama princípio da continuidade registral.
Um exemplo prático para melhor compreensão. Maria é
proprietária de um imóvel e promete vendê-lo para Joaquim, através de um
documento particular (contrato de promessa de compra e venda). Joaquim, que já
está na posse do imóvel, pretende passar o imóvel para Douglas. Ao final, para
que Douglas se torne o proprietário, antes é preciso que Maria faça uma
escritura de compra e venda para Joaquim e que esta escritura seja registrada.
O que fará com que a propriedade vá para Joaquim. Só então será possível que
Douglas registre em seu nome.
Trazendo esta situação para a doação de imóvel pelos
municípios, muitas vezes o Município tampouco chega a registrar em seu nome a
propriedade do imóvel, o que faz com que o donatário (aquele que recebe o
imóvel) tenha dificuldades na regularização deste imóvel.
Portanto, apesar de todo o procedimento estar previsto em
Lei, na prática é fundamental que a documentação relativa ao imóvel seja
analisada minuciosamente. Só assim será possível avaliar as dificuldades na
regularização do imóvel.
Podem, ainda, surgir outras dificuldades. De forma que cada
caso é ocorre de uma maneira.
V - É possível regularizar com a usucapião?
É pacífico o entendimento de que não pode o interessado
adquirir um imóvel público através da usucapião. Este procedimento para
regularizar imóveis pode até ser útil quando o bem não é público. O que não é o
caso.
VI - Conclusão
O presente artigo não pretendeu esgotar os procedimentos
relativos a doação de imóvel público, mas tão-somente estabelecer um norte para
quem pretenda entender um pouco sobre a possibilidade de regularizar um imóvel
desta natureza.
É sempre importante a consulta a um especialista na área
para o estudo direcionado da documentação, pois no direito cada caso possui
suas especificidades. Não há uma solução única que possa ser deliberadamente
aplicada a toda e qualquer situação.
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