Até a promulgação da Lei nº 9.514 de 1997,
os bens suscetíveis de alienação fiduciária eram apenas os bens móveis. A lei
contudo, é mais abrangente. Além, de prever uma sistematização para a Alienação
Fiduciária Imobiliária, ela visa a facilitar a construção de unidades
imobiliárias, prevê vários direitos reais de garantia para lastrear as
operações de construção de unidades imobiliárias e o incremento da negociação
de títulos de securitização no mercado financeiro brasileiro.
As operações de construção de novas unidades imobiliárias
poderão ter como garantia:
1. Hipoteca do próprio bem;
2. Cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de
contratos de alienação de imóveis;
3. Caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes
de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis;
4. Alienação Fiduciária de coisa imóvel (art. 17 da Lei n.
9.514/1997).
A princípio, o intuito do legislador foi permitir a atuação
apenas de instituições que tivessem caráter estritamente financeiro ou de
concessão de crédito- neste último caso, ainda que não fossem necessariamente
caracterizadas como instituições financeiras. Foram autorizadas, inicialmente,
a celebrar este tipo de contrato a Caixa Econômica Federal, os bancos
comerciais, os bancos de investimentos, os bancos com carteiras de crédito
imobiliário, as sociedades de crédito imobiliário, as associações de poupança e
empréstimos e as companhias hipotecárias.
As operações de Alienação Fiduciária Imobiliária foram
identificadas como um dos aspectos de normatividade mais abrangente que o
legislador nomeou como Sistema Financeiro Imobiliário. Não foram previstas
apenas regras contratuais do modus operandi do novo tipo. Há previsão de normas
financeiras e tributárias.
Como na alienação fiduciária tout court que conhecemos, o
devedor fiduciante recebe a pecúnia do credor para aquisição do bem e, em
troca, lhe transfere a propriedade e a posse indireta com a função de garantia,
permanecendo ele, devedor, com a posse direta do bem. Ao credor, se atribui uma
propriedade plena, seu direito está sujeito a condição resolutiva com escopo de
garantia.
É ato indispensável ao seu aperfeiçoamento o registro
imobiliário da alienação fiduciária.
Além do direito à propriedade, podem ser objetos da
Alienação Fiduciária Imobiliária:
· Bens enfitêuticos;
· Direito de uso especial para fins de moradia;
· Direito real de uso, desde que suscetível de alienação;
· Propriedade superficiário.
O contrato deve conter necessariamente:
1) O valor do principal da dívida;
2) Prazo e as condições de reposição do empréstimo ou
crédito do fiduciário;
3) A taxa de juros e os encargos incidentes;
4) A Cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com
descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do titulo e
modo de aquisição;
5) A cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto
adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco do imóvel objeto da
alienação fiduciária;
6) A indicação, para efeito de venda em público leilão, do
valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;
7) A cláusula dispondo sobre os procedimentos de alienação
do bem fiduciário em leilão (art. 24 da Lei n. 9.514/97).
Deixou de pagar o financiamento, e agora?
Vencida e não paga a dívida, inaugura-se o procedimento
previsto no artigo 26 da Lei, no qual todo o procedimento pode se dar
extrajudicialmente, com a interferência dos notários do Registro Imobiliário e
do Registro de Títulos e Documentos.
Após a intimação do alienante fiduciante, este terá o prazo
de quinze dias para purgar a mora. O montante a ser pago para a purgação da
mora constitui-se da prestação vencida e as que venceram até a data do
pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos
contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições
condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e da
intimação. O fiduciante tem direito à purga da mora apenas uma única vez.
Purgada a mora (saldada a dívida), o oficial do Registro
Imobiliário deve entregar ao agente fiduciário todas as quantias recebidas,
autorizada a retenção das despesas de cobrança e intimação. Caso torna-se
adimplente, pode ocorrer que o fiduciante deseje ou não possa suportar todos os
ônus do contrato celebrado, assim, desde que haja concordância do credor
fiduciário, ele poderá ceder o seu direito. O cessionário deverá acertar
eventuais débitos com o credor e providenciará a averbação da transação no
registro imobiliário. O alienante fiduciante poderá, inclusive, resolver o
contrato de alienação fiduciária oferecendo o seu bem em pagamento ao próprio
credor fiduciário.
Não purgada a mora, configura-se o inadimplemento absoluto,
implementa-se a condição resolutiva, e se consolida a propriedade em nome do
fiduciário. Impõe-se, todavia, importante restrição ao seu direito de
propriedade: o imóvel deve ser levado a público leilão, no prazo de trinta (30)
dias, a contar da averbação na matrícula do imóvel no RGI da consolidação da
propriedade, seguindo-se os trâmites previstos no artigo 27 da supra citada
Lei.
A Lei n. 9.514/97 é mais abrangente do que a mera previsão
da alienação fiduciária imobiliária. Como mecanismo de inventivo, foram criados
os Certificados de Recebíveis Imobiliários – CRI. Constituem, em verdades,
títulos de crédito nominativos, de livre negociação, lastrados em créditos
imobiliários e encerram promessa de pagamento em dinheiro.
Esses certificados só podem ser emitidos pelas companhias
securitizadoras das construções dos imóveis, mas são administrados por
instituições financeiras (art. 9º da Lei 9.514/97).
Art. 9º A companhia securitizadora poderá instituir regime
fiduciário sobre créditos imobiliários, a fim de lastrear a emissão de
Certificados de Recebíveis Imobiliários, sendo agente fiduciário uma
instituição financeira ou companhia autorizada para esse fim pelo BACEN e
beneficiários os adquirentes dos títulos lastreados nos recebíveis objeto desse
regime.
Eles se prestam a ser adquiridos pelo mercado financeiro ou
público em geral, na medida em que preveem uma taxa de retorno expressamente
discriminada. Torna-se, factualmente, mais uma modalidade de investimento para
o interessado, cuja a transparência pode ser identificada no detalhamento que a
Lei discrimina: o CRI deve possuir a identificação do devedor e o valor nominal
de cada crédito que lastreie a emissão, com a individuação do imóvel a que
esteja vinculado e a indicação do Cartório de Registro de Imóveis em que esteja
registrado e a respectiva matrícula, bem como a indicação do ato pelo qual o
crédito foi cedido. Além disso, deve identificar os títulos emitidos e a
constituição de outras garantias de resgate dos títulos da série emitida, se
for o caso (art. 8º da Lei n. 9.514/97).
Art. 8º A securitização de créditos imobiliários é a
operação pela qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão de uma
série de títulos de crédito, mediante Termo de Securitização de Créditos,
lavrado por uma companhia securitizadora, do qual constarão os seguintes
elementos:
I - a identificação do devedor e o valor nominal de cada
crédito que lastreie a emissão, com a individuação do imóvel a que esteja
vinculado e a indicação do Cartório de Registro de Imóveis em que esteja
registrado e respectiva matrícula, bem como a indicação do ato pelo qual o
crédito foi cedido; (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)
II - a identificação dos títulos emitidos;
III - a constituição de outras garantias de resgate dos títulos
da série emitida, se for o caso.
Parágrafo único. Será permitida a securitização de créditos
oriundos da alienação de unidades em edificação sob regime de incorporação nos
moldes da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964.
Toda a operação de securitização das construções sob o
regime da Lei n. 9.514/97 exige que as companhias seguradoras possuam
patrimônio separado, individualizado e garantidor da emissão desses títulos,
para a segurança dos próprios adquirentes do CRI, como também dos adquirentes das
unidades imobiliária seguradas (art. 11 da Lei n. 9.514/97).
Caso descumpra essas normas, o patrimônio integral da
companhia seguradora pode vir a responder por eventuais débitos junto aos
adquirentes dos CRIs.
O agente financeiro fiduciário é o responsável pela
fiscalização da constituição desse patrimônio individualizado e para
correspondência valorativa entre o real valor dos bens garantidores e a emissão
dos CRIs.
Mesmo em caso de funcionamento normal da companhia
seguradora dos certificados, o agente fiduciário é autorizado a interferir, se
necessário, judicialmente, para garantir o patrimônio constituído para lastrear
as operações. Caso não o faça, ou o faça de forma temerária, o seu patrimônio
próprio pode vir a ser responsabilizado para a garantia de eventuais prejuízos
aos adquirentes dos certificados (art. 13, § 1º da Lei n. 9.514/97).
Para o incentivo de operações que envolvam a Alienação
Fiduciária Imobiliário, a Lei n. 10.931/04, criou ainda duas outras figuras
jurídicas com repercussão financeira:
a. A letra de Crédito Imobiliário, que pode ser emitida por
instituições financeiras, cujo regramento se assemelha a uma letra de câmbio,
espécie de títulos de créditos de livre circulação;
b. Cédula de Crédito Bancário que representa a emissão de um
título para lastrear aplicações financeiras, mas que somente pode ser emitida
pelo credor de um crédito imobiliário.
As Cédulas de Crédito Imobiliário emitidas pelo Credor são,
usualmente, adquiridas pelas companhias seguradoras que consolidam com essa
compra o negócio fiduciário, quando o fiduciante aliena a propriedade que
lastreia o títulos (CCIs) para a companhia seguradora, como agente fiduciário,
e este fica autorizado a emitir as CRIs (Certificados de Recebíveis
Imobiliários).
Retornando à operação originária da Alienação Fiduciária
Imobiliária (Lei n. 9.514/97), embora a legislação preveja certa liberdade no
ato de contratar, há regras impositivas que as partes devem respeitar. Entre
elas estão o devedor deve repor integralmente o valor recebível, com os
reajustes; as taxas cobradas pelo credor ao devedor serão as taxas
discriminadas em contrato; pode haver capitalização dos juros cobrados e a
obrigatoriedade de contratação, pelo devedor, de seguros contra os riscos de
morte e invalidez permanente.
Com relação às taxas previstas contratualmente, está ínsita
a liberdade de contratar. Pode o credor cobrar taxas maiores do que a do
mercado financeiro remuneraria a quantia em que está sendo emprestada. Contudo,
a seara contratual está envolta em uma sistematização vinculante, em que os
princípios gerais do direito, os costumes e a boa-fé têm pronunciada influência
sobre as contratações.
Não pode o credor prever em contrato taxas discrepantes do
mercado.
Não pode o credor prever em contrato taxas que discrepem
muito do ramo de atividade em que se aplica o dinheiro, ou seja, ainda que haja
liberdade de contratar, as taxas de juros e o índice de correção monetária
eleito devem se coadunar com o mercado a que se destina. Pode haver a previsão
de juros remuneratório, pela quantia emprestada; juros moratórios, em caso de
inadimplência; e a previsão de juros compensatórios, no caso da entrega
antecipada do bem.
São espécie diferentes de juros aplicados a hipóteses
diversas de atos contratuais. O mais comum deles são os juros remuneratórios.
Juros que buscam recompor o capital que o credor emprestou ao devedor para a
realização do negócio. Esses juros devem respeitar o limite legal, a aplicação
do artigo 406 do Código Civil, que prevê o limite para a mora do pagamento de
impostos devidos à Fazenda Nacional. Embora a espécie se refira a juros
moratórios, aplica-se à modalidade de juros remuneratórios do capital.
Embora a Lei permita a capitalização, sem discriminar a
periocidade que ela se dê, aplica-se subsidiariamente o Código Civil, que prevê
em seu artigo 591 do Código Civil, a capitalização anual dos juros, qualquer
que seja a sua espécie.
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos,
presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a
taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.
Interessante mecanismo de proteção ao adquirente da unidade
imobiliária foi a previsão da constituição do seguro contra o inadimplemento do
construtor ou do incorporador que tenham assumido a construção de unidades sob
o regime da Lei n. 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Esse seguro, se
contratado, pelo adquirente, deve prever o ressarcimento integral das quantias
pagas por ele, permitindo-se a dedução dos valores pagos a título de administração
do financiamento e administração do seguro.
Fonte: Raphael Faria, Advogado Especialista em Direito Civil
e Processo Civil. Especialista em Direito Bancário
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