Há muito tempo, numa galáxia distante, o Brasil era a “bola da vez” — e, dentro do Brasil, nenhuma bola era tão da vez quanto o Rio de Janeiro, que receberia a Olimpíada e começava a transformar seu tecido urbano. A prefeitura decidiu revitalizar a degradada região portuária, rebatizando-a de Porto Maravilha, e os investidores, de olho nos lucros que certamente viriam, foram atrás. A rede hoteleira americana Marriott, a maior do mundo, lançou um empreendimento na região. Em setembro do ano passado, quando o hotel de 225 quartos começou a funcionar, a Olimpíada tinha acabado, o Brasil estava pela bola sete e o Rio de Janeiro começava a viver o inferno particular em que está metido até hoje. O turismo desabou e, segundo estimativas de executivos do setor, a taxa de ocupação do Marriott no Porto Maravilha chega a 3% nos piores dias (a Marriott nega a taxa). Para pagar minimamente as contas, um hotel desse porte precisaria ter 40% dos quartos ocupados.
A difícil situação do Marriott do Porto Maravilha é uma das consequências mais visíveis do estouro de uma bolha no mercado imobiliário brasileiro — a bolha dos hotéis. Nos últimos cinco anos, o setor hoteleiro entrou num frenesi de construção como nunca se viu. Foram inaugurados 525 empreendimentos no país. Em maior ou menor grau, repetiu-se em todas as regiões do país a mesma combinação de fatores que impeliram a Marriott a instalar seu novo hotel no Porto Maravilha. Em Belo Horizonte, uma série de incentivos fiscais da prefeitura fez a oferta de quartos na cidade subir 50% de 2011 a 2014. Em seis meses, foram lançados 67 empreendimentos, mas apenas 30 foram entregues. Entre novos e antigos, 22 pararam de operar. Um deles deve ser transformado em lar para idosos. Segundo o Instituto Nacional de Recuperação Judicial, oito empreendimentos do setor faliram no ano passado, e nove fecharam as portas e estão esperando a economia começar a melhorar para reabri-las.
A construção de um hotel leva, no mínimo, três anos. Entre a análise do mercado, a tomada de decisão, o planejamento e a construção muita coisa pode acontecer, e quem entra no setor sabe os riscos que corre. O retorno é calculado em anos, e sempre se espera um solavanco no caminho. Mas ninguém contava com a grande recessão brasileira. Com a queda acumulada de 7,2% do PIB nos últimos dois anos, estima-se que a demanda por quartos de hotel tenha caído mais de 15% no período. Com as empresas cortando custos e as pessoas tentando equilibrar as finanças, muitas viagens foram postergadas; e eventos, cancelados. A busca por preços menores forçou o setor a se mexer.
Segundo levantamento do site Hotéis.com, em cidades como Fortaleza e Balneário Camboriú, o valor das diárias caiu entre 10% e 12% em 2016. O patamar de preços atual é o mesmo de quatro anos atrás. Belo Horizonte apresentou a menor tarifa média entre os lugares pesquisados, de 166 reais por dia. No Rio, o cinco-estrelas Hilton da Barra da Tijuca está com promoções de 99 dólares a diária — 50% abaixo de quando abriu as portas, em 2015. Lugares turísticos sofrem ainda a concorrência de plataformas de estada, como o Airbnb,- que oferece quartos desocupados para quem vai se hospedar por curta temporada. Em 2016, o número de hospedagens do site cresceu 140%.
Barca furada
A situação do mercado hoteleiro está difícil em todo o Brasil, mas há regiões que sofrem muito mais. Quem apostou na ascensão do mercado de óleo e gás perdeu dinheiro com o sumiço da demanda. Cidades como Santos, no litoral de São Paulo, e Macaé, no Rio, têm hotéis vazios. Um hotel da rede francesa Accor, instalado na região do Valongo, em Santos, nunca teve mais de 10% de ocupação. Está cravado ao lado dos escritórios da Petrobras na cidade. A expectativa em torno do desenvolvimento do pré-sal fez com que a cidade triplicasse a capacidade hoteleira desde 2012, para 4 860 quartos.
Mais 858 serão entregues até 2019. Em Belo Horizonte e em algumas áreas do Rio, a situação é semelhante. Após a expansão recente, a taxa de ocupação média na capital mineira beira os 30%, a mesma da Barra da Tijuca, no Rio, bairro que concentrou as modalidades olímpicas. Por lá, a capacidade triplicou para os Jogos. “Hotel é atividade reativa. Primeiro precisa construir escritório, loja, restaurante e dar um motivo para as pessoas frequentarem e se hospedarem”, diz José Ernesto Marino Neto, presidente da consultoria hoteleira BSH International. “É loucura fazer hotel antes de a região se tornar um polo.”
O mercado de hotéis vive hoje algo semelhante ao de flats há duas décadas, quando milhares de pequenos investidores apostaram sua poupança no setor, que também passou por um período de excesso de oferta. Foram necessários mais de dez anos para que a demanda e a oferta de flats entrassem em equilíbrio, e quem não conseguiu esperar perdeu dinheiro. Na bolha atual, os investidores também estão penando. Parte dos novos hotéis foi financiada com os recursos de investidores que pagaram a partir de 200 000 reais, na maioria dos casos, para se tornar donos de quartos: o rendimento viria da divisão das receitas com as diárias, depois de descontados custos e impostos. Mas, com a ocupação baixíssima, ganhou-se pouco, ou quase nada, e quem entrou nessa está tentando se livrar dos quartos que comprou. Um levantamento do site de venda de imóveis Zap mostra que o número de quartos de hotéis à venda aumentou 21% em abril de 2017.
Pelo menos até agora, São Paulo é a capital que menos tem sofrido com a crise. O motivo, segundo os analistas, é o grande fluxo de visitantes, turistas ou não: são 13 milhões por ano. Até o Maksoud Plaza, um dos hotéis cinco estrelas mais tradicionais da cidade, conseguiu sair da decadência em que esteve na última década. Reduziu o valor das diá-rias e, com isso, a taxa de ocupação aumentou de 40% para 60% em dois anos. O faturamento cresceu 20% em 2016. “Refizemos os processos, acabamos com o restaurante 24 horas e trocamos os elevadores para economizar energia”, diz Henry Maksoud, neto do fundador. O segmento de luxo segue animado em São Paulo. Em maio, começou a funcionar o hotel mais luxuoso da cidade, o Palácio Tangará, que fica dentro do Parque Burle Marx, na zona sul. As diárias variam de 1 575 a 38 000 reais. O hotel não divulga suas taxas de ocupação, mas poucos especialistas esperam que o Tangará fique lotado no curto prazo. A esperança dos donos — os alemães do grupo Oetker — é ganhar dinheiro alugando o luxuoso salão de festas. Cada um lida como pode com o estouro da bolha dos hotéis.
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