Foi um sonho, que está virando pesadelo. Estamos muito desanimados”. O desabafo da dona de casa Luciana Ferreira do Nascimento, 36, resume o sentimento dos moradores do conjunto habitacional Brasilândia B34, no Jaraguá, zona norte de São Paulo, entregues pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo) a 140 famílias em janeiro do ano passado.
Com pouco mais de um ano, os prédios acumulam vários problemas: rachaduras em colunas, infiltrações, falhas nos encanamentos que alagam os apartamentos, muros de arrimo que podem desabar a qualquer momento, barrancos completamente desprotegidos bem ao lado dos prédios, fiações expostas, falta de iluminação em áreas comuns, entre outros.
Em nota, a CDHU afirmou que são usados materiais de boa qualidade na construção dos prédios e que tomará providências para resolver os defeitos que apareceram nos imóveis.
Os moradores do condomínio Brasilândia B34 viviam em favelas da região, que, segundo a Prefeitura de São Paulo, estavam em áreas de risco. Cada apartamento custa R$ 67 mil e foram financiados em 300 parcelas mensais --ou cerca de 25 anos. Caso deixe de pagar três parcelas consecutivas, o morador perde o imóvel.
Apesar de novos, os blocos estão com a tinta gasta, pintura descascando e vários remendos de massa corrida, o que lhes dá aparência mais velha. Nenhum dos prédios têm o Habite-se, documento pelo qual a prefeitura atesta que a construção está em acordo com a legislação e, portanto, pode ser habitada sem riscos aos moradores.
A reportagem do UOL visitou dois residenciais --o Brasilândia B34 e o Pari A1/A2-- acompanhada do engenheiro urbanista Vagner Landi, que analisou a parte interna e externa das edificações.
Apartamento alaga sozinho
A moradora Fernanda Pereira, 25, que vive com o marido, paga R$ 93 de mensalidade pelo imóvel. Desde que mudou para o conjunto, não teve sossego: um problema no encanamento do prédio impede que a água utilizada pelas máquinas de lavar dos apartamentos que estão acima do seu escoe para o encanamento geral da rua. Resultado: a água acumulada volta pelo ralo da área de serviço do seu apartamento, alagando o imóvel.
“Fico o dia inteiro tirando água do apartamento. Tive que deixar um emprego porque a casa não podia ficar vazia”, reclama. Ela e o marido retiraram todos os móveis do apartamento, depois que perderam sofá e colchão. Segundo Fernanda, o problema existe desde que mudou-se, mas se agravou nos últimos meses. No apartamento que fica abaixo do de Fernanda, as falhas no encanamento causam goteiras, que provocaram a queda de parte do teto da lavanderia.
A síndica geral do condomínio, Anara Costa, 51, diz que tentou desentupir o cano mais de uma vez, mas que o problema, aparentemente, é na própria tubulação. Para o engenheiro, a falha é resultado de um “erro de projeto ou de construção da tubulação”. Landi notou também que os canos de água e esgoto são muito estreitos para a quantidade de apartamentos dos prédios.
“Tragédia anunciada”
Em frente de cada prédio do Brasilândia B34, há barrancos de, em média, cinco metros de altura, sustentados na base por muros de arrimo. No topo de cada barranco também há uma mureta de contenção. No ano passado, uma das muretas desmoronou, mas, por sorte, ninguém ficou ferido. Em seguida, a construtora enviou operários para realizar reparos.
Um engenheiro enviado pela CDHU para analisar o local em novembro constatou uma série de defeitos na obra que provocaram a queda, entre os quais “falta de compactação do aterro e de muros de arrimo adequados, que provocam rupturas no maciço da terra e abertura de trincas no concreto, por onde a água entra e encharca o solo.”
No laudo encaminhado à CDHU, o engenheiro diz que a “integridade física dos moradores está ameaçada” e cobrou providências para evitar o que chamou de “tragédia anunciada”. Ele criticou, ainda, as obras de reparo feitas após a queda do muro, que, segundo ele, consistiam em tirar a mureta de proteção e cobrir o local com sacos plásticos.
Já neste ano, nova s obras de reparo foram realizadas, mas os moradores continuam ameaçados. Segundo o engenheiro Vagner Landi, rachaduras nas colunas que sustentam as muretas de proteção indicam que novos desabamentos vão ocorrer. Além disso, os muros de arrimo que seguram o barranco estão cedendo e também podem desabar.
“Para resolver o problema tem que fazer talude, cortar o barranco em um ângulo de 45º e colocar grama para segurar a terra. Isso é regra básica de engenharia”, afirma. Segundo a síndica geral, sempre que chove desce lama dos barrancos para a entrada dos prédios. “O barranco vem junto. Fica tudo alagado.”
Telhas ameaçam crianças
Em dois blocos do condomínio, as telhas dos prédios estão completamente soltas, colocando em risco a vida das crianças que brincam nos playgrounds, que ficam exatamente abaixo das telhas soltas. Por todo o conjunto há fiações elétricas expostas. À noite, segundo os moradores, as áreas comuns do condomínio ficam totalmente às escuras, por não haver iluminação nos postes.
Em um apartamento no quarto andar do bloco C, uma rachadura de dois metros se estende do chão ao teto por uma coluna. “Rachadura em coluna é grave. Pode ser infiltração e chegar até as ferragens”, afirma Vagner Landi.
Para completar, os moradores ainda não têm as plantas (métrica, hidráulica e elétrica) dos imóveis e, até agora, as famílias não puderam instalar linhas telefônicas, em decorrência de falhas na construção, segundo aponta laudo da Telefônica.
Problemas também no Pari
A 13 km do Brasilândia B34, os moradores do conjunto Pari A1 e A2, inaugurados em maio de 2010, enfrentam problemas parecidos. Os apartamentos custam R$ 50 mil cada e também foram financiados por 25 anos --nesse caso, o governo pagou subsídio de R$ 20 mil a cada família. Segundo o síndico do prédio, Josemar Mota Salles, dos 160 apartamentos, 120 têm algum problema.
A moradora Maria Conceição Gomes, 53, enfrenta no seu apartamento o mesmo problema do apartamento de Fernanda, do conjunto Brasilândia B34: seu apartamento alaga todos os dias, desde que ela se mudou, em julho de 2010. Da mesma maneira que no imóvel de Fernanda, a água de outros apartamentos invade a casa de Maria pelo ralo da área de serviço.
“Faz dois anos que vivo assim. Já entrei em contato com a CDHU por 25 vezes, mas nada mudou”, reclama. O engenheiro Vagner Landi afirma que o problema é “fácil de resolver”. “Nos dois conjuntos tem que fazer a mesma coisa: abrir a parede no primeiro e segundo andar e verificar o que está acontecendo com o encanamento.”
Natural de Itabuna, na Bahia, Maria se mudou para São Paulo aos nove anos. Desde então, morou em um cortiço --como muitos moradores do residencial-- no Belenzinho. Ela abriu mão de uma disputa judicial de usucapião, na qual podia conquistar a propriedade de sua casa no cortiço, para ir ao prédio.
Imóveis incompletos
Os moradores do conjunto no Pari receberam os imóveis sem azulejos nas paredes do banheiro e da cozinha e sem pisos. Eles afirmam também que as esquadrias das janelas vieram enferrujadas. O manual do proprietário, elaborado pela própria CDHU, diz que é obrigação da empresa entregar o imóvel com pisos, azulejos, pintura, janelas, entre outros, em perfeitas condições.
A ausência de piso e azulejos provoca infiltrações e buracos nos tetos dos apartamentos, já que, com o tempo, a água acaba penetrando no concreto.
Em vários apartamentos há registro de goteiras no teto, que provocam manchas escuras na pintura. É o caso do imóvel da dona de casa Irineia da Silva, 27. “Sempre que chove, forma goteira. Já protocolei documentos na CDHU avisando, mas eles dizem que isso é uma ‘mancha estética’ que não oferece riscos.”
Segundo os moradores, falhas na rede elétrica impedem que as áreas comuns dos cinco primeiros andares de cada prédio tenham iluminação. “Já trocamos as lâmpadas várias vezes, mas elas não duram nem uma semana”, afirma a auxiliar de produção Doriane de Aguiar, 37, que é proprietária de um apartamento no qual parte do forro do teto da lavanderia caiu por problemas de infiltração.
Garagem sem entrada e saída
De todos os problemas, o mais curioso está no subsolo: o prédio tem uma garagem ampla, que está pronta, mas não pode ser utilizada porque não há qualquer acesso para carros. Os residentes e visitantes são obrigados a deixar seus carros na rua Canindé, onde é proibido estacionar durante o dia.
Sem uso, a garagem virou local de desova de objetos roubados e de lixo trazido por pessoas de fora do condomínio. Isso porque o muro que separa o prédio do conjunto vizinho, que fica praticamente aberto para a rua, é baixo, permitindo o acesso de pessoas de fora.
Por conta disso, o sindico diz que extintores, hidrantes e outros equipamentos do prédio são constantemente furtados, deixando a maioria dos andares desprotegidos de incêndios. “É muito fácil entrar aqui. Temos muitos problemas de vandalismo e roubo”, lamenta o síndico.
Segundo contrato, os imóveis têm garantia de cinco anos após a entrada dos moradores. Nesse período, problemas na construção dos apartamentos devem ser reparados pelas construtoras contratadas pela CDHU que executaram as obras.
Na avaliação do engenheiro Vagner Landi, tanto no residencial Brasilândia B34, quanto no Pari A1/A2, o governo entregou imóveis “sem condições de higiene e habitabilidade”. “Usaram materiais de péssima qualidade. A parte hidráulica e elétrica foi mal executada. Esses problemas não são culpa dos moradores”, afirmou.
Fonte: Guilherme Balza
UOL, em São Paulo