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sexta-feira, 17 de abril de 2009

Construção está comprometida com o mercado de luxo

Para a arquiteta Hermínia Maricato, setor não tem como responder já ao pacote da habitação do governo Lula

SÃO PAULO - Em entrevista ao estadao.com.br, a arquiteta Hermínia Maricato, ex-secretária-executiva do Ministério das Cidades, comentou o pacote habitacional Minha Casa, Minha Vida, lançado neste mês pelo governo Lula. Leia os principais trechos da entrevista:

Em 1980 há um corte abrupto no investimento público em políticas de habitação e saneamento. Há uma produção de moradias que vai até 1983, mas eram contratos anteriores a 1980. Tem uma bolhinha em 1986 e uma bolha em 1996, mas nós podemos dizer que, de 1980 até 2004 o Brasil deixou de investir em habitação e saneamento.

A política pública era a que alimentava o mercado privado. As principais fontes de alimentação eram, na época do regime militar, FGTS e a caderneta de poupança privada. Na segunda metade dos anos 1970 o crescimento brasileiro foi sustentado pela produção de moradias, e a cara das cidades brasileiras mudou. A moradia pobre foi feita lá na extrema periferia, subvertendo o mercado de terras e o crescimento urbano, e o apartamento conquistou a classe média. Para dar então esse declínio bárbaro no início dos anos 1980.

Então havia uma indústria privada que, na medida da queda do crescimento, teve um mercado privado contido. E ele já era restrito. Eu diria que nem 30% da população estava no mercado nos anos 1980 e 1990 (com exceção do período da bolha de 1996). Então o mercado se especializa em parafernálias de child care, fitness center, espaço gourmet etc. Um edifício que é clube, é um produto de luxo.

Parece Dubai

Não que a qualidade da moradia tenha melhorado, porque a área diminuiu. Claro, tem lá aqueles apartamentos de 800 metros, 1.600, aquela loucura... Nessas feiras de construção, veja o número de banheiras de hidromassagem em que cabem até seis pessoas. Parece que estamos em Dubai. Vai ver o preço dos revestimentos... Há todo um sistema de materiais e produtos que está apontando para o mercado de luxo.

Essa indústria vai para uma faixa pequena da população. No Rio, segundo um autor, ela abrange 25% da população e vai para a Barra da Tijuca, principalmente. No Recife, vai para a praia da Boa Viagem. Então há a construção de novas centralidades, como a Berrini com Águas Espraiadas, em São Paulo. E essa construção é do poder público com o privado, porque há subsídios na infraestrutura.

E o que aconteceu com o Estado, a quem deveria caber a produção da moradia social? Também fechou as torneiras. Nunca me esqueço que, quando fui a diversos Estados brasileiros e o governo Fernando Henrique estava oferecendo incentivos para fechar companhias habitacionais criadas no regime militar. Porque, de fato, essas companhias deram num desgoverno.

Política de favor

O poder do atraso no Brasil é muito forte, e os governadores e prefeitos usaram muito a política habitacional como política de favor. Como era favor, o mutuário não pagava, porque ele já estava votando no sujeito. Recebia a casa como presente, como um favor do Estado ou do governante de plantão. A inadimplência era muito grande. Eu me lembro da minha entrada na Prefeitura de São Paulo, quando vi o problema da Cohab. Era impressionante. As pessoas não pagavam e os governantes não cobravam porque era um atitude anti-eleitoral. Então havia passivos absurdos, e muitas delas foram fechadas.

No início desta década, quando nós fomos para o Ministério das Cidades (eu estive na equipe de transição, para propor a criação do ministério), encontramos a maior parte dos municípios sem nenhum tipo de organismo voltado para a habitação. Ouvi de uma prefeita ultra-esclarecida que ela não sabia que habitação era importante, e que não tinha no governo dela nenhum organismo voltado para essa área. Há no Brasil mais secretarias de planejamento urbano do que de habitação.

Habitação social e transporte coletivo

Por isso os arquitetos ficam fazendo esse discurso fora de lugar, essa retórica. Porque Plano Diretor no Brasil é retórica. Se você não produz habitação, não consegue controlar o uso e a ocupação do solo. Tem de ter um controle dizendo 'aqui vai ter ocupação social'. Mas os pobres não cabem na cidade, a lei de zoneamento nunca foi para pobre.

Faria sentido fazer planejamento tendo habitação social e transporte coletivo como questões centrais. As duas coisas foram ignoradas. Se você ignora, faz só retórica. Porque a ilegalidade da ocupação do solo é regra, não exceção. Infelizmente, o planejamento é feito com ideias do exterior, como se na nossa sociedade a maior parte das pessoas estivesse dentro do mercado.

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