Abuso
A recusa de um projeto pode ter inúmeras motivações, tanto de ordem financeira, quanto técnica e ética. Segundo o arquiteto Marcelo Ferraz, da Brasil Arquitetura, algumas propostas de trabalho são aviltantes, pois há clientes que pedem inúmeros estudos de viabilidade técnica - normalmente não cobrados no mercado - para empreendimentos com poucas chances de serem levados adiante. "As construtoras e incorporadoras às vezes abusam. Muitas vezes há abuso de alguns clientes em face da grande mão-de-obra disponível no mercado", analisa. Com essa prática, o empresário repassa o risco do projeto, que seria dele, também para o arquiteto.
Evitando riscos
Na avaliação de Marcelo Ferraz, é possível fugir da armadilha de se envolver em projetos sem viabilidade. "Acho que tem de evitar esse risco, estabelecendo alguma ajuda de custo e, principalmente, as condições de trabalho", diz.
Nem sempre pelo fato de envolver algum risco, o projeto deve ser descartado. No caso de clientes já tradicionais, é possível estudar a proposta. "Mesmo trabalho de risco analiso com muito carinho. Só descarto quando é muito trabalho em face de muito risco", explica Mario Biselli, arquiteto e professor de projeto do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Mackenzie. Segundo ele, é preciso avaliar a questão levando em conta o relacionamento comercial, pois cedo ou tarde esse tipo de clientela traz algum retorno.
Mas o fato de ser um cliente tradicional também não afasta completamente os riscos, na opinião do arquiteto Marcelo Barbosa, sócio do escritório Barbosa & Corbucci Arquitetos. "Sempre é bom medir os riscos para tal estratégia, pois mesmo clientes antigos perdem o respeito com arquitetos que cedem muito", pondera.
Recusa elegante
Na hora de se negar a participar de um projeto, o desafio que vem pela frente é como recusar a proposta e ao mesmo tempo manter as portas abertas para futuros negócios, principalmente quando se trata de clientes tradicionais.
Biselli sugere o máximo de transparência. "Tem de abrir o jogo com o cliente. Se for um cliente fiel, tem de falar abertamente. Explicar: 'o empresário é você, o risco tem de ser seu. Eu sou o arquiteto'", afirma.
Segundo Biselli, os empreendedores costumam ser muito arrojados e o mercado imobiliário em geral é de risco, pois se investe em publicidade e nem sempre há o retorno esperado. Mas isso não significa que o arquiteto tenha de assumir parte desse risco.
De acordo com Marcelo Ferraz, é fácil explicar para um cliente quando a proposta não é viável para o arquiteto. "Muitos até se envergonham da proposta feita. Já conseguimos que muitos clientes, que normalmente não pagariam por um estudo de viabilidade, revolvessem pagar", conta. Essa postura pode levar ao afastamento de alguns clientes, segundo ele, mas isso não significa necessariamente algo ruim. "Esse não é o cliente que queremos", diz.
Sinal de profissionalismo
O receio de perder o cliente é, obviamente, a questão central que leva o profissional a hesitar para recusar uma proposta, mesmo quando não chega a um consenso sobre honorários ou a respeito da condução do projeto. Mas segundo Marcelo Barbosa, saber quando e como dizer não é essencial para a sobrevivência no mercado. "Saímos do vermelho quando aprendemos a dizer não aos nossos clientes. É difícil, pois sempre tememos o pior. Mas o cliente sempre volta, e te tratando com muito mais respeito e profissionalismo."
Segundo ele, parte da clientela já se deu conta de que uma relação mais profissional é melhor para ambos. "Alguns incorporadores mais esclarecidos estão descobrindo que compensa mais acertar um valor justo para as partes ao elaborar estudos de viabilidade. Isso garante um trabalho mais compromissado e estrutura a parceria", explica Barbosa. Levando-se em conta que as implantações estão cada vez mais complexas devido a uma série de fatores - como escassez de bons terrenos e produtos criativos - o arquiteto defende que esse tipo de relação é muito mais saudável e garante mais respeito ao profissional. "Trabalho de risco sempre foi desrespeitoso para os arquitetos, que arcam com um trabalho de responsabilidade e, mesmo que o empreendimento vingue, nunca são devidamente remunerados", complementa.
Saída para iniciantes
Como sempre, a situação é mais complexa para os profissionais em início de carreira. Primeiro, pela falta de experiência no mercado. Depois, pela necessidade de desenvolver projetos para fazer um currículo. As opiniões divergem quanto à melhor atitude a ser tomada.
Para Biselli, nessa fase é complicado recusar serviço, devido à necessidade de ter trabalhos para apresentar que possam viabilizar novos projetos. "No início, qualquer profissão envolve risco", afirma.
No entanto, é possível procurar saídas para evitar iniciar a carreira com práticas questionáveis, avalia Marcelo Ferraz. "Para o jovem arquiteto, participar de concurso é importante. Mesmo que não ganhe, isso é currículo." Marcelo Barbosa corrobora a opinião do colega, e acrescenta que falta por parte das entidades de classe de arquitetos - que segundo ele estão pouco atuantes, desorganizadas e sem credibilidade - incentivo a concursos de arquitetura para jovens profissionais que possam estimular concorrências somente entre pequenos escritórios para projetos institucionais de pequeno porte, como escolas e creches.
Tudo pelo dinheiro?
Se no caso da parceria de risco, o desperdício de tempo de trabalho sem garantia de retorno é o que se deve levar em conta na hora de dizer sim ou não a uma proposta, o que dizer dos projetos em que o retorno financeiro é certo? Vale a pena se envolver em um projeto apenas pelo dinheiro? Isso pode levar o escritório a perder o foco de seu trabalho?
A questão é complexa. Segundo Marcelo Barbosa, grande parte dos escritórios de arquitetura atuantes no mercado mantem projetos ditos "alimentares", que sustentam o escritório, para poder investir em projetos mais autorais ou concursos de arquitetura. "São as regras do mercado", diz.
Isso não quer dizer que qualquer projeto seja aceitável, desde que traga recursos para a empresa ou o arquiteto. Às vezes, questões de cunho ético e moral interferem na decisão. "Eu e meu sócio já recusamos projetos de uma penitenciária, por exemplo. A simples ideia de enjaular alguém nos fez recusar", conta Marcelo Ferraz.
Diversificação
À parte considerações éticas e financeiras, há também a questão do segmento de atuação do arquiteto. Enfrentar ou não o desafio de um projeto em uma nova área? Marcelo Ferraz defende uma atuação generalista. "A gente não trabalha só com arquiteto, tem equipes muldisciplinares. É bom que não se fique em uma coisa só."
Em uma área em que as soluções criativas são a mola-mestra da atividade profissional, trabalhar em um nicho de mercado, apesar da pretensa tranquilidade que isso possa oferecer, pode estigmatizar a empresa e limitar o repertório da equipe na visão de Marcelo Barbosa.
"Quanto à estratégia para diversificar as atividades, esta deve ser escolhida conforme as características do escritório e de seus objetivos. Não existe fórmula em nossa área, o arquiteto deve ficar sempre bem informado", aconselha.
Sim ou não: como avaliar os riscos
Motivação financeira: evitar propostas aviltantes, como inúmeros estudos de viabilidade técnica para empreendimentos com poucas chances de serem levados adiante;
Para fugir do risco de projetos sem viabilidade: estabelecer ajudas de custo e condições de trabalho com o cliente;
Avaliar o relacionamento comercial do cliente: cedo ou tarde, alguns deles podem trazer retorno;
Transparência na hora de rejeitar a proposta: ser sincero e expor o problema para não fechar portas;
Assegurar uma relação profissional entre cliente e arquiteto para garantir mais respeito à profissão;
Jovens profissionais: nessa fase é complicado recusar serviço, devido à necessidade de ter currículo e trabalhos que viabilizem novos projetos. No entanto, é possível procurar saídas, como a participação em concursos, em detrimento a projetos questionáveis;
Segmento de atuação: dizer sim a uma atuação generalista. Trabalhar em um nicho de mercado, apesar da pretensa tranquilidade que possa oferecer, pode estigmatizar a empresa e limitar o repertório da equipe.
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