Por Manoel Henrique Campos
Botelho: Eng. Civil, Poli/USP, trabalhou como eng. projetista nos setores de
saneamento e proj.inds. Foi assessor de assuntos de obras civis no Sinduscon,
Cohab, FDE e da diretoria do Seconci. Escreveu livros como Concreto Armado Eu
te Amo (I e II). Editou: Instalações Hidráulicas Prediais feitas para durar-
para a AMANCO; Resistência dos Materiais para entender e gostar; Quatro
edifícios, cinco locais de implantação, vinte soluções de fundações. Desenvolve
para o IE seminários técnicos.
Inicial
Um simpático colega nosso, com as
melhores das intenções, anexou ao seu email uma tabela de traços de concreto e
declarou que copiou de um site e não sabe a origem dessa tabela.
Vamos então contar a historia
dessa " Tabela ". Aproveitemos
para fazer uma viagem sobre a história da tecnologia do concreto no Brasil.
Estamos nos anos 40 e vigora a
NB-1 para projetos e obras de concreto armado. Nessa norma recomenda-se para
dosar concreto o uso da dosagem racional, tolerando o uso da dosagem empírica
só para obras de pequena importância (sic) item 63. Só que nesses anos em
S.Paulo só o IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas fazia essa dosagem
racional ou seja a partir da areia a usar, agregado graúdo a usar e marca do
cimento, dosar o concreto para obter a resistência desejada. Quanto ao slump
(abatimento) a norma nada diz.
Quem podia economicamente nessa
época fazer a dosagem racional? Só as grandes obras como barragens e pontes
faziam essa dosagem . O resto ou seja 99% das obras não faziam dosagem racional
nenhuma. Se não faziam dosagem em laboratórios como saber como dosar as
proporções de areia, pedra, cimento e água?
Usava -se o método boca a boca, a
repetição de experiências (louvável mas pouco crítica), a experiência do engenheiro
de obra (?), a opinião do mestre de obra (?) ou o chute. É a época da opinião
pessoal. Também como raramente se extraiam corpos de prova para verificar a
resistência obtida, tudo ficava como estava. Só nos anos 50/60 surge na cidade
de S.Paulo na Escola de Engenharia Mackenzie um outro laboratório de controle
de qualidade de concreto. Também nos anos 60 um apaixonado de nome Falcão Bauer
abre uma firma de controle de qualidade que se torna famosa. Nos anos 60 este
autor fez estagio no IPT no departamento de tecnologia de concreto e somente as
obras de barragem do governo e a obra do Museu de Arte de S.Paulo (Av Paulista)
tinham acompanhamento do IPT da qualidade do concreto. E as obras pequenas e
médias? Nada ou quase nada.
Mas quem é bom engenheiro e
deseja fazer boas obras de porte pequeno ou médio (prédios de apartamentos)
como fazer??????
Eis que corre um boato . Um
engenheiro do Rio de Janeiro depois de trabalhar em tecnologia do concreto em
várias obras (Hotel Nacional Rio - Praia de São Conrado , obras de Oscar
Niemeyer e outras) consolidou sua experiências em uma tabela de traços para o
material usado na época no Rio de Janeiro (anos 30 a 50) e publicou essa tabela
junto com várias recomendações como: antes de começar a dosagem lave à larga o
agregado graúdo, mas lave mesmo, pois assim sai o pó que atrapalha a mistura.
Outra recomendação: na dosagem nunca use parte de saco de cimento.
Se rasgou o saco use esse cimento
de saco rasgado para fazer cimentados e nunca para fazer concreto estrutural.
Esse engenheiro carioca padroniza as famosas padiolas (caixas de madeira) para
que haja o máximo de produção diária mas compatível com o esforço humano de
carregá-las pela obra.
Cada material deve ter sua
própria padiola e deve-se escrever com números enormes se é padiola para areia,
ou para a brita 1 ou se é para brita 2. Ao encher a padiola de areia nada de
montinho. Use uma régua para cortar excessos.
A tabela desse colega carioca é
cheia de dicas e desenhos alegres dando informações de cuidados. Os
trabalhadores que fazem e transportam o concreto sempre tem chapéus de
segurança, coisas pouco comuns nas obras civis da época no Brasil. As tabelas
são um sucesso e o autor as lança sempre igual mas com várias apresentações. O
sucesso é tanto que o autor as lança também como uma régua de calculo cilíndrica,
fabricada em papelão , mas sempre com a mesma informação de traços, consumos e
estimativas de resistência média do concreto a 28 dias ou seja o atual fc28.
Se para alguns essas tabelas eram
um bálsamo, um maná que caia dos céus e começaram a usar tão logo as tinham em
mãos outros a criticavam cruelmente. Nos anos 60 (formei-me no ano de 65) as
críticas eram :
- tabelas superadas,
- tabelas regionais, quase locais
levando em conta a areia e a pedra da cidade,
- o cimento considerado não é
mais fabricado,
- outras críticas, muitas
críticas.
Esses críticos implacáveis, o que
sugeriam então para as obras pequenas e médias?
Fazer a Dosagem Racional, de
custo alto e só possível perto dos grandes centros.
Alguns projetistas de estruturas
só tinham aceitos seus projetos se colocassem no desenho de forma o traço a
usar. Mas como propor um traço para uma obra que não se conhecia o cimento, a
areia e as pedras a usar? Por cautela mandava-se na obra analisar (?) esse
traço. Uma maneira talvez de fugir do problema.
Na firma em que eu trabalhava
(final dos anos 60), uma firma de engenharia de saneamento, apareceu um
exemplar da tabela e na época o fenômeno xerox ainda não tinha surgido. Como
não havia como reproduzir por xerox a tabela, foi chamado o chefe dos
desenhistas e a tabela , sem citar o autor como é regra, foi copiada a nanquim
num papel vegetal e tiraram se cópias no papel químico (heliográfico) que viraram
para cada recebedor dessa tabela, objeto de sacrário.
Eis que surge a NB-1 /78 e que dá
a mesma orientação anterior. Para obras de maior vulto a chamada dosagem
experimental (o mesmo de dosagem racional) e para as outras exige-se um mínimo
de teor de cimento e o mínimo de água de mistura. As tabelas do engenheiro
carioca continuavam ser usadas agora multiplicadas legal ou ilegalmente pelo
fenômeno xerox que com o tempo se barateou tanto que até pobre tira xerox ...
O diabo é que as xerox foram às
vezes tiradas de velhas cópias heliográficas sem o nome do autor e viraram
tabelas de traço sem autor definido ou pior, de autor desconhecido.
É hora de corrigir isso. As
Tabelas de Traço de Concreto tem autoria e de autor muito conhecido tanto que
seu nome nos anos 80/90 foi justamente homenageado pelo Ibracon pela sua enorme
contribuição para o ensino e popularização da tecnologia do concreto.
Depois desse autor o Eng Gildasio
da Silva também publicou sua tabela com base em suas experiências, somando portanto
informações ao divulgado pelo engenheiro carioca. O Eng Marcelo Morais de
Brasília em seu livro seguiu os passos do engenheiro carioca e publicou as suas
próprias tabelas com as características da areia e dos agregados de Brasília.
Um colega de nome Nicolau
declarou-me , anos sessenta, as duas coisas que um engenheiro civil devia fazer
ao terminar seu curso. Registrar-se no CREA e ir comprar a tabela de traços do
engenheiro carioca pois no curso da nossa escola de engenharia era proibido
falar nessas tabelinhas de concreto . A forma de falar era:
" aqui na escola nos
ensinamos a verdade, nas obras vocês usam essa tabelinha que o pessoa de obra
acredita ...... "
Estamos chegando ao fim desta
historia sobre a Tabela de Traços de Concreto.
Vamos ao nome do autor : Eng.
Abílio de Azevedo Caldas Branco.
No meu tempo de engenheiro jovem
a tabela chamava-se Tabela do Caldas Branco.
A ele que procurou, desde os anos
30, difundir conhecimentos, a minha homenagem.
Teste de verificação . Se a
tabela sem origem que você tem em mãos começa com o traço volumétrico 1: 1 : 2
e termina com o traço volumétrico 1 : 4 : 8 há enormes possibilidades de ser
ela a Tabela do Caldas Branco.
Nota – Recebi do colega M. um
email ( dezembro de 2009 ) dizendo que a Tabela do Caldas Branco não está
atualizada e foi feita para cimentos existentes nos anos 40. Respondi com uma
crônica:
Caro M.
O pico do Everest foi conquistado
pelo homem nos anos cinqüenta via um inglês e um acompanhante nepalense. Até
hoje nem helicóptero consegue chegar ao seu cume face à extrema altitude, falta
de ar, ventos e frio. O inglês que o conquistou ao retornar à capital do Nepal
deu uma entrevista à imprensa mundial (a conquista teve enorme repercussão) contando
das dificuldades homéricas enfrentadas mas que culminou com a conquista e o
inglês como símbolo da conquista colocou no cucuruto do cucuruto do pico uma
bandeira inglesa, símbolo da conquista. Ai um jornalista perguntou:
- por que uma bandeira inglesa se
o Everest é no Nepal e você estava acompanhado de um guia nepalês ?
O inglês com a fleugma britânica
de sempre respondeu:
- foi uma falha minha. Convido
então alguém para ir lá em cima e trocar a bandeira.....
A tabela do Caldas Branco foi
feita nos anos quarenta para cimentos diferentes dos atuais. Como disse o
inglês, eu faço uma paráfrase:
- essa é uma deficiência da
Tabela do Caldas Branco para os dias atuais. Convido alguém para produzir uma
tabela de traços atualizados e para os cimentos atuais
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