Essa é uma situação complicada que tem acontecido com certa
frequência durante a pandemia. A pessoa perde renda, porque foi dispensada do
trabalho e por isso deixa de adimplir as obrigações acessórias. Vamos entender
melhor essas situações distintas e o que o proprietário pode fazer nesses
casos.
Obrigação contratual, consumerista e tributária.
Antes de tudo, precisamos entender que as obrigações
acessórias dispostas no contrato de locação têm natureza e consequências
distintas. A taxa condominial é de responsabilidade do proprietário por ter a
característica aderir ao imóvel. Todavia o contrato de locação pode atribuir ao
inquilino a responsabilidade pela taxa condominial ordinária que é destinada a
conservação das áreas comuns, pagamento de funcionários etc. Essa obrigação tem
natureza contratual, uma vez que a atribuição vem do contrato de locação e não
pelo fato de ser condômino, como ocorre com o proprietário.
Já as obrigações de água, luz e telefone são obrigações de
natureza consumerista, uma vez que as empresas se encaixam na condição descrita
do Código de Defesa do Consumidor como fornecedoras (art. 3º CDC), enquanto o
inquilino, como “utiliza produto ou serviço como destinatário final” se
enquadra na posição de consumidor (art. 2º CDC). Importante dizer que o que
configura ser o consumidor ou não é estar presente na relação de consumo como
destinatário final, independentemente de quem consta na conta para fins legais.
Então, é responsabilidade do inquilino arcar com essas
obrigações mesmo que o contrato não preveja essa situação, podendo o
proprietário arcar com o prejuízo e posteriormente reaver os valores de forma
regressiva. Vamos entender melhor com um exemplo:
João alugou uma casa para Pedro que, por não pagar as contas
de luz, teve o relógio lacrado e o fornecimento cortado antes de deixar o
imóvel. Então, João ao descobrir a situação se vê obrigado a quitar a dívida
para poder liberar o relógio e reestabelecer o fornecimento, afinal, ninguém
alugaria um apartamento sem luz. Valendo-se do contrato de aluguel, João executa
o Pedro para reaver o valor pago.
Por fim, o IPTU é uma obrigação tributária e aqui devemos
considerar alguns pontos. Pelo Código Tributário, o responsável passivo da
obrigação de IPTU é aquele que consta como proprietário do imóvel no início do
ano fiscal. Todavia, a lei municipal pode instituir que o responsável por pagar
o tributo seja o proprietário ou o responsável (quem utiliza o imóvel, que no
nosso caso é o inquilino).
Então, dependendo de previsão em lei municipal ele poderá
cobrar diretamente o proprietário, o inquilino, ou os dois. Por esse motivo, é
de suma importância que o contrato de aluguel preveja a responsabilidade do
inquilino, para evitar transtornos futuros, já que créditos tributários são
dívidas especiais que podem penhorar até mesmo um bem de família.
Entendidas essas diferenças das obrigações, vamos avançar
para uma questão muito importante durante a pandemia no próximo tópico: a
suspensão dos aluguéis.
Suspensão do aluguel
Seja por convenção das partes (proprietário e inquilino) ou
por decisão judicial, a suspensão total ou parcial dos aluguéis de imóveis
residenciais ou comerciais tem sido uma realidade na pandemia. Sempre digo que
o diálogo é o melhor caminho, porém isso se torna um pouco mais complicado
quando tratamos das demais obrigações acessórias. Isso porque a taxa
condominial só pode ser suspensa ou alterada mediante aprovação em assembleia,
bem como as contas de a água, luz e telefone dependem de negociação direta com
a prestadora de serviço, enquanto o IPTU depende lei municipal específica para
sua suspensão durante a pandemia.
A deliberação entre os particulares não tem força jurídica
para alcançar os demais condôminos, os prestadores de serviço ou a Fazenda Pública
(art. 123 CTN), responsável por cobrar a dívida tributária. Assim, mesmo
obtendo a suspensão total ou parcial do aluguel, o inquilino continua
responsável por arcar com a totalidade obrigações acessórias. Isso também se
aplica a decisão judicial, uma vez que sua força jurídica se limita à relação
dos proponentes (efeito inter partes, art. 506 CPC).
Agora, se você é o inquilino e se encontra nessa situação,
vamos entender quais possibilidades você tem para solucionar o problema.
Direito de regresso.
Já citamos este termo algumas vezes no artigo
propositalmente sem explicá-lo, deixando o momento para esse tópico. O Direito
de Regresso é um direito de reaver os valores pagos por quem o pagou (art. 934
CC), que nesse caso se aplica quando o proprietário paga esse débito deixado
pelo ex-inquilino com juros e correção monetária.
Neste ponto se revela uma importante situação: a previsão
contratual. Como vimos, a previsão contratual não é suficiente para afastar a
obrigatoriedade do proprietário de arcar com as dívidas acessórias deixadas
pelo inquilino, como, por exemplo, a possibilidade do município de impor a
execução fiscal contra o proprietário e não contra o inquilino.
Todavia, o contrato de aluguel com a cláusula específica
impondo tais obrigações ao inquilino, permite que essas dívidas sejam cobradas
diretamente, uma vez que o contrato de aluguel é um título executivo
extrajudicial e pode ser executado.
Isso quer dizer que, se o contrato não estipular em cláusula
específica essas obrigações o proprietário arcará com o prejuízo sozinho? Não,
mas ele precisará se valer de uma ação regressiva, que é uma ação autônoma de
rito comum, mais complexa e que dependerá ainda da fase de cumprimento de
sentença.
Retenção e execução das garantias.
É possível que esse débito surja durante a vigência do
contrato de locação, então, uma solução viável é que o proprietário execute a
garantia que foi dada para pagar as obrigações acessórias que não foram
cumpridas.
Se a garantia for a de caução em dinheiro e o valor for
suficiente, sobrando saldo, ele deverá continuar depositado na mesma conta
poupança firmada pelo inquilino e proprietário para este fim. Sobrando valor
inferior a três aluguéis, é possível que o inquilino complete a quantia até
atingir o valor de 3 aluguéis, devendo o contrato de aluguel receber um
aditivo, relatando a utilização da garantia em dinheiro e a nova data de
atualização.
Caso o inquilino queira oferecer outra garantia e o
proprietário aceite, o valor constante como saldo deve ser devolvido, uma vez
que o contrato de aluguel não pode ter mais de uma garantia (art. 37, parágrafo
único da Lei do Inquilinato).
Nas demais formas de garantia, a fiança, o seguro fiança, a
caução de bens móveis ou imóveis ou as quotas de fundo de investimento, basta a
execução dessas garantias conforme suas peculiaridades, como alienar o bem
móvel ou imóvel, cobrar o débito do fiador ou acionar o banco garantidor da
fiança.
Conclusão
Sempre digo que o diálogo é a melhor via e não será
diferente nessa situação. Então, cabe ao inquilino, antes de deixar de cumprir
as obrigações acessórias, conversar com o proprietário sobre essa situação para
que possam chegar a um denominador comum, como, por exemplo: executar a
garantia; o proprietário suportar a cobrança e atualizar os alugueis com um
valor que possibilite reaver a quantia paga e o inquilino não tenha suas contas
sobrecarregadas, etc.
Entretanto, se o litígio for a única opção, tanto
proprietário quanto inquilino podem sofrer com cortes no fornecimento do
serviço, desinstalação de relógios de água ou de luz e até mesmo ver o bem ser
alienado em hasta pública por débitos tributários ou condominiais. Caso o
proprietário resolva arcar com o prejuízo, surge o direito de reaver a quantia
paga atualizada, por meio de ação regressiva ou executando diretamente o
contrato de aluguel, desde que prevista cláusula específica.
Fontes:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm
Fonte: Fernando Aragone Aragone, Advogado, formado na
Universidade Santa Cecília, na baixada santista. Especializado em Direito
Imobiliário, Direito Condominial e pós-graduando em Advocacia Extrajudicial.