Em sua primeira entrevista a uma publicação brasileira, o polêmico empreendedor espanhol Enrique Bañuelos fala sobre seus planos de investimento de longo prazo no Brasil e se defende das acusações de que teria sido o responsável pelo estouro da bolha imobiliária da Espanha
Por que o senhor escolheu o Brasil para investir?
Faz três ou quatro anos que analiso o Brasil. Acho que é preciso primeiro estudar o local e conhecer suas particularidades. No ano passado consideramos que havia uma oportunidade magnífica. A crise foi um complemento que ajudou a reduzir preços, mas eu investiria aqui de qualquer forma. A grande virtude do Brasil é seu mercado, uma população de quase 200 milhões de habitantes predominantemente urbana, um ótimo capital humano e boas companhias. Além disso, há estabilidade econômica e política e não há nenhum tipo de conflito religioso ou nacionalista. Acho que isso tudo faz do Brasil, hoje, o país mais importante do mundo para os negócios, onde existem mais oportunidades.
Quais são seus planos para o mercado brasileiro?
Sempre começo os negócios em um país pelo mercado imobiliário, no qual tenho mais experiência. Pelo setor de imóveis é possível conhecer a economia, seu sistema financeiro, as autoridades e as necessidades da população. Depois disso, partimos para outros negócios, mas sempre com um parceiro local. Os mercados são muito diferentes em cada parte do mundo, por isso é importante encontrar a pessoa certa. Demos sorte de a Agra estar em busca de um parceiro também. Então, pude entregar a eles uma estratégia, aportar capital e fazer alianças internacionais com parceiros estrangeiros que conheço há tempos. No ano que vem queremos estar entre as três primeiras do mercado.
Quais são seus próximos alvos?
A Veremonte Participações, minha empresa de investimentos no Brasil, acaba de assinar um acordo com o grupo francês Accor para o desenvolvimento de 4 880 quartos de hotéis. Serão hotéis urbanos e econômicos que levarão as bandeiras Ibis e Formule 1. Além disso, fechamos uma parceria com o grupo Jumeirah, dos Emirados Árabes, para construir 1 000 quartos de hotel de cinco e seis estrelas no Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos. O Jumeirah é proprietário, entre outros, do Burj al Arab, de Dubai. Com isso, a Veremonte se tornará dona do maior grupo hoteleiro do país.
Em quais outras áreas de negócios o senhor tem interesse?
Vamos investir em shopping centers, alimentação, energia, infraestrutura, meio ambiente e financiamento imobiliário. Já estamos negociando a entrada no setor de saúde, com o aporte de muito dinheiro, mas ainda não posso dar mais detalhes sobre isso. Vamos investir 2 bilhões de reais em 2010 no Brasil.
O senhor não faz parte da diretoria executiva e do conselho de administração da Agre. Por quê?
Tenho investimentos em muitas áreas de negócios em diversos países. Se tivesse de controlar tudo, não controlaria absolutamente nada. Acredito que a gestão tem de ser local. Da minha parte trago, além do capital, o conhecimento e a experiência internacional que adquiri ao longo dos anos. Ajudo a traçar a estratégia, a analisar possíveis alvos de aquisição. Quero ajudar a empresa a consolidar outras companhias do setor e fazer com que ela dure muito tempo. Não me interessa ser apenas um investidor institucional. Colocar dinheiro em um negócio e, depois de 24 meses, recolher os benefícios é muito chato.
Sua incorporadora espanhola, a Astroc, transformou-se na grande responsável pelo estouro da bolha imobiliária da Espanha. Por quê?
Em dez anos transformei minha pequena empresa em uma companhia privada importante de Valência. Em 2005 ela já valia 1 bilhão de dólares e tinha participações no banco Sabadell e na empresa de energia Union Fenosa. Era uma empresa regional importante, 100% privada. Mas eu queria uma companhia nacional. Decidi abrir o capital. Não por dinheiro. O que minha empresa valia era mais do que eu precisava. Queria crescer. O IPO que fiz foi todo secundário, porque não precisava de dinheiro para investir na companhia, e apenas investidores institucionais compraram as ações --- investidores que tinham toda a informação para fazer o que estavam fazendo. Minha desgraça foi o êxito da empresa. As ações subiram 1 000%. Fiquei assustado porque, claramente, o valor delas era irreal. Passei a vender mais ações na tentativa de segurar o preço. Por um acordo com o órgão regulador local, eu poderia vender 49% dos papéis da empresa. Não foi suficiente. As ações tornaram-se alvo de especuladores e passaram a cair muito. Mas é importante dizer que quem comprou as ações a 9 dólares, no IPO, e quis vendê-las quando estavam valendo 90, ganhou muito dinheiro.
Há acusações de fraudes nesse processo. O senhor comprou imóveis da Astroc por meio de outra empresa sua para valorizar as ações da incorporadora...
Quando há uma crise, quem perde dinheiro tenta encontrar problemas e culpados. Eu fui mais investigado do que um óvni. Fizeram uma radiografia completa minha e dos meus negócios. Não existe nenhum documento que diga que fiz algo errado. Tenho uma declaração do Instituto de Contabilidade, Auditoria e Contas espanhol que atesta que minha administração foi totalmente correta. O que aconteceu foi o seguinte. Tenho uma fundação, também chamada Astroc. Quando a incorporadora era privada, tudo ficava junto. Tenho dois palácios e um castelo na Espanha usados pela fundação, que pagava à incorporadora um aluguel irrisório. Quando decidi abrir o capital na bolsa de valo-res, esses imóveis permaneceram na empresa, mas a CVM local me disse que eu não poderia manter a fundação dentro de uma companhia aberta. Isso tudo está no prospecto do IPO. Os imóveis permaneceram na Astroc, já não havia mais tempo para retirálos. Depois do IPO, comprei esses palácios e o castelo, por um valor alto, para entregá-los à fundação. Esse é o meu "crime".
Qual sua situação hoje na Justiça espanhola?
Existe apenas um processo aberto contra mim, por um advogado que já fez o mesmo com outras empresas. O processo foi analisado pelo juiz Baltazar Garzón (o mesmo que mandou prender o ex-ditador chileno Augusto Pinochet) e arquivado depois de três dias. O advogado recorreu e ele foi reaberto. Não foi julgado e nunca fui condenado. Não há nenhum processo aberto por órgãos de governo, por associações de defesa do consumidor, do mercado acionário.
Algumas pessoas dizem que o senhor se afastou da gestão e do conselho de suas empresas no Brasil e fora daqui para facilitar as negociações com bancos e ter acesso a crédito. É verdade?
De forma alguma. Os bancos conhecem nosso grupo perfeitamente e não têm desconfiança nenhuma. Conversei com todos. Mas houve muita fofoca. Muita gente na Espanha se incomodou em ver um homem se tornar um dos 100 mais ricos do mundo tendo saído de uma família pobre. Quando os problemas aconteceram, fui muito atacado. Mas não nos falta crédito. Tenho parceiros importantes em bancos, fundos de investimento, companhias abertas e family offices.
O senhor tem planos de vender suas participações em empresas brasileiras no futuro?
Não. Vim para ficar, tenho planos de longo prazo, de pelo menos 40 anos. Uma prova disso é que a Veremonte Participações é uma empresa 100% brasileira, que paga seus impostos aqui e investe aqui. Comprei um apartamento aqui porque vou passar muitos dias por ano no Brasil. E vou abrir a Fundação Veremonte. Quero que uma parte dos lucros que minha companhia gerar no Brasil se transforme em benefício para a população.
Como o senhor vê o mercado imobiliário brasileiro e seus concorrentes?
O mercado vive um momento muito bom. Há uma grande oportunidade, as pessoas querem comprar casas e o crédito para o setor está aumentando. Vejo ótimas empresas no setor. O senhor João Rossi, da Rossi Incorporadora, é um príncipe imobiliário a quem admiro muito. Também tenho muito respeito pela Cyrela. É um modelo de êxito dos anos 80 e 90 e acho que um dia deveria haver uma cátedra universitária em nome do senhor Elie Horn. Se isso acontecer, nós vamos apoiar. O senhor perdeu seu pai aos 9 anos e teve uma infância muito dura.
Qual a receita para sair de uma situação tão difícil e se tornar um dos homens mais ricos do mundo?
Há uma frase em inglês que traduz bem como eu agi durante toda a vida: "If you need, I have". Ou seja "Se você precisa, eu tenho". E, se não tiver, vou encontrar e entregar o que você precisa. Para fazer isso é preciso ter conhecimento de pessoas, criatividade e senso de observação. Mas não existem fórmulas mágicas. Acho que o mais importante é minha força de vontade.
Fonte: Exame Negócios