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quinta-feira, 14 de março de 2013

Salário desonerado

Saiba o que muda no cálculo previdenciário de construtoras e empreiteiras após a desoneração da folha de pagamentos; retenção de 11% sobre o valor dos serviços continua valendo, mas com alíquota menor
 
Nos últimos dias de 2012, o Governo Federal anunciou um pacote de incentivos destinado ao setor da construção civil, com o objetivo de estimular especialmente o setor imobiliário. Entre as mudanças anunciadas na Medida Provisória (MP) 601/2012, publicada no Diário Oficial da União no dia 28 de dezembro, estava uma antiga demanda do setor: a desoneração da folha de pagamentos. De acordo com a nova regra, no lugar da contribuição de 20% sobre a folha de salários, o setor da construção passará a pagar 2% sobre o faturamento bruto. Trata-se de uma alteração provisória, inicialmente válida de abril de 2013 a dezembro de 2014, porém obrigatória.
 
A medida não é inédita e já se aplica a outros setores da economia há algum tempo, como as áreas têxtil, plástica, de hotelaria e de material elétrico, entre outras. Embora comemorada pelos empresários, a desoneração gerou dúvidas e levantou pontos que até o momento não ficaram bem esclarecidos.
Em primeiro lugar, nem todos os serviços de construção foram abrangidos pela medida. De acordo com a MP, são favorecidas as empresas que executam serviços de construção civil enquadradas nos grupos 412, 432, 433 e 439 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas 2.0 (CNAE). Estão inclusas aí a construção de edifícios em geral, de estádios, de shoppings, de armazéns, reformas e montagens de prédios e casas pré-fabricadas ou pré-moldadas (quando não realizadas pelo próprio fabricante), instalações e manutenções elétricas, hidráulicas e sanitárias, de sistemas de ventilação e refrigeração, execução de fundações, e muitas outras atividades. A lista completa pode ser acessada no site www.cnae.ibge.gov.br.
 
O grupo das empresas beneficiadas não inclui, por exemplo, as incorporadoras, as empreiteiras que atuam na preparação do terreno (drenagem, sondagem e terraplenagem), produtores de materiais de construção e as construtoras e prestadoras de serviços que executam obras de infraestrutura (estradas, metrô, pontes etc.), entre outras. "Este ponto é problemático porque identificar com segurança a amplitude dos serviços da construção não é tarefa fácil. Trata-se de um setor muito complexo no qual a norma geral não se aplica a todas as empresas", explica a advogada e fundadora da MLF Consultoria, Martelene Carvalhaes.
 
Além de se informar sobre quais empresas são ou não atingidas pela medida, as construtoras devem estar atentas a uma série de questões relativas à subcontratação de serviços - e várias dessas questões ainda não foram totalmente esclarecidas pela Receita Federal.
 
Subempreitada
Um dos principais problemas da MP 601 é que o texto não especifica se o construtor principal de uma obra pode abater da sua contribuição previdenciária as contribuições feitas por suas subcontratadas. Se isso não for possível, muitas construtoras acabarão recolhendo mais à previdência do que recolhiam anteriormente, aumentando ainda mais a carga tributária do setor.
 
"Pela sistemática antiga, as contribuições previdenciárias feitas pelas subcontratadas em uma obra específica podiam ser abatidas da contribuição previdenciária da contratante principal dessa obra. Mas a MP que estabelece a mudança da base de cálculo não previu essa possibilidade", explica o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), Sérgio Watanabe. "Ainda não temos uma estimativa precisa para exemplificar, mas algumas de nossas empresas associadas que têm folha de pagamentos enxuta e várias terceirizações relatam que serão financeiramente prejudicadas com a alíquota de 2% sem possibilidade de abatimento."
 
Ainda de acordo com Watanabe, a vantagem ou desvantagem da nova sistemática depende da conjugação de três fatores: faturamento, tamanho da folha de pagamentos e volume de terceirizações de serviços. "A empresa que tiver perdas com a nova sistemática não terá como compensar esses gastos se a redação atual da Medida Provisória prevalecer", alerta.
 
Martelene Carvalhaes adianta que, em função de cálculos comparativos que já fez para alguns clientes, a carga tributária pode aumentar em até 40% se não houver procedimentos diferenciados para empresas que subempreitam, que prestam serviços sem mão de obra própria, ou aquelas cujo faturamento bruto engloba o material aplicado, como é o caso de empresas que executam obras públicas, além de outras diferenças específicas do setor. O próprio conceito de "receita bruta" é complicado quando se refere a empreitada com fornecimento de materiais pelo empreiteiro. Nesses casos, segundo Materlene, deve-se deduzir da base de cálculo o valor dos materiais.
 
Outras medidas da MP 601
 
Além da desoneração da folha de pagamento, outras três medidas integram o pacote de incentivos à construção anunciado na MP 601/2012. São elas:
 
 Redução do RET
A alíquota do Regime Especial de Tributação (RET) caiu de 6% para 4%. Na construção civil, o RET unifica o pagamento do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do Programa de Integração Social (PIS). Criado em 2004, o mecanismo vale para empresas que optam pelo Patrimônio de Afetação. A redução da alíquota será a medida de maior impacto financeiro para o governo, que deixará de receber cerca de R$ 411 milhões em impostos ao ano.
 
 
Aumento do limite do RET Social
Projetos de incorporação de imóveis residenciais de interesse social têm direito a uma alíquota especial de apenas 1% no RET, o que ficou conhecido como RET Social. Anteriormente, o benefício era válido para imóveis com valor de até R$ 85 mil, mas a partir da MP 601 a alíquota reduzida se estende para imóveis de até R$ 100 mil. A medida deve ajudar a viabilizar mais empreendimentos de interesse social nos grandes centros urbanos, onde o limite de R$ 85 mil estava defasado, segundo fontes do setor.
 
 
 
 
 Capital de giro
A Caixa Econômica Federal (CEF) passa a oferecer uma linha de crédito para capital de giro de R$ 2 bilhões, destinada a empresas que faturam até R$ 50 milhões por ano. Os recursos serão emprestados à taxa de 0,94% ao mês. Entre as vantagens da linha estão: prazo flexível, de até 40 meses de crédito, limite recomposto automaticamente e renovação automática de operações a cada 12 meses. Para empréstimos de até R$ 100 mil, é necessário apenas garantia de aval dos sócios; já em empréstimos de R$ 100 mil a R$ 1 milhão são exigidas garantias reais. O crédito está disponível desde o anúncio do pacote de incentivos, no dia 4 de dezembro. Para aquisição, é necessário se dirigir a uma agência da CEF e apresentar a documentação básica da empresa. A partir da aprovação, toda movimentação pode ser feita nos pontos de autoatendimento ou pela internet.
 
Como fica a retenção
 
A desoneração anunciada na MP 601 não deve ser entendida como uma mera substituição do cálculo da contribuição sobre a folha de pagamentos, uma vez que o Seguro de Acidente de Trabalho (SAT) e a contribuição destinada a outras entidades, por exemplo, continuam a ser pagos sobre os salários. De acordo com Martelene Carvalhaes, "deverão ser pagos normalmente, todo dia 20 do mês subsequente ao da prestação de serviços, o valor da contribuição descontada dos funcionários, o valor destinado a outras entidades e fundos (terceiros), de 5,8% sobre a remuneração, e o valor relativo ao SAT, que representa em média 3% da remuneração do trabalhador".
 
A advogada acrescenta que a retenção para a Previdência Social de 11% sobre o valor dos serviços de empreitada, prevista nº artigo 31 da Lei nº 8.212/91, continua a ser feita, mas com a alíquota diferente. Anteriormente, a construtora deveria reter 11% do valor da nota fiscal ou fatura de serviços decorrentes dos contratos de empreitada. O montante retido era recolhido ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e poderia ser posteriormente deduzido da contribuição previdenciária devida pelo contratado - de 20% sobre a folha de pagamento, 3% do SAT e 8% descontados dos próprios funcionários, o que totalizava 31% sobre os salários.
 
Agora, com a nova regra, a retenção feita pela construtora não será mais de 11%, mas sim de 3,5%. Esta retenção poderá ser deduzida do valor devido pelo empreiteiro em relação ao SAT e à contribuição descontada dos funcionários. "Fica tudo igual. A contribuição de 8% descontada do funcionário mais os 3% do SAT dão um total de 11% sobre os salários. Este valor será compensado com o equivalente a 3,5% retido nas notas fiscais", explica Martelene.
 
Vale lembrar que o procedimento para emissão de Certidão Negativa de Débitos (CND) não deve ser alterado. Sendo assim, continua obrigatório para todas as empresas que executam obras de construção civil a Guia do Fundo de Garantia e Informação à Previdência (GFIP) elaborada por obra com a utilização do Cadastro Específico do INSS (CEI).
 
Indefinições
 
 Até o fechamento desta edição, a Receita Federal ainda não havia esclarecido, por meio das chamadas "Instruções Normativas", as dúvidas levantadas com relação à MP 601/2012. O texto tramita no Congresso e ainda pode sofrer alterações. Caso a medida não seja apreciada em até 45 dias contados da publicação no Diário Oficial da União, passa a trancar a pauta do Plenário e começa a valer o regime de urgência. Qualquer alteração feita no texto transforma essa MP em Projeto de Lei de Conversão (PLV). Depois de aprovado definitivamente pelo Senado ou pela Câmara, o PLV é remetido à sanção da presidente Dilma. Quando aprovada sem mudança, a MP é enviada à promulgação do presidente do Senado.
 
Consultadas pela reportagem, algumas construtoras não quiseram comentar os pontos difusos das medidas, avaliando ser prematuro qualquer posicionamento até que tudo esteja regulamentado. Para o governo, com a contribuição de 20% sobre a folha de pagamentos a construção civil recolhia por ano R$ 6,280 bilhões. Após a mudança no cálculo, o setor passará a pagar R$ 3,430 bilhões, uma economia de R$ 2,850 bilhões anuais.
 
 

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