Por Raquel Rolnik: Urbanista e
professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo.
Confirmada na semana passada a
admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, no
mesmo dia foram empossados os ministros do governo interino de Michel Temer.
Para comandar a política urbana do país foi escolhido o deputado Bruno Araújo
(PSDB), que assumiu o Ministério das Cidades. Independente da discussão sobre a
legitimidade desse governo, debate que está longe de ter esgotado, o que
esperar, afinal, desse novo ministro?
Com base na trajetória do
deputado, que ganhou notoriedade ao dar o último voto necessário à aprovação da
admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados, e nas suas primeiras
declarações após ter sido nomeado ministro, cabe perguntar: esperamos mudanças,
mais do mesmo ou aprofundamento daquilo que a sociedade tem rejeitado e, em
tese, que se constituiu em motivação popular para o pedido de impeachment da
presidenta?
Em suas primeiras declarações,
Araújo afirmou que vai apostar nas parcerias público-privadas (PPPs) para
alavancar programas como o Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Para ele, “é preciso
libertar as amarras ideológicas e a burocracia que dificultam a execução das obras”.
Disse ainda que o país precisa superar “uma relação tão preconceituosa que
havia por parte do governo anterior entre o capital e a possibilidade de
participar de programas sociais importantes”.
Ora, a fala do novo ministro
parece demonstrar, em primeiro lugar, um profundo desconhecimento do Minha
Casa, Minha Vida, já que este é inteiramente baseado na relação com a
iniciativa privada. Nesse programa, são as construtoras – portanto, empresas
privadas – que definem onde, como e o que construir. O papel do governo se
limita a regulamentar as condições mínimas que devem ter os produtos que essas
empresas colocam à venda e viabilizar a compra das unidades habitacionais
produzidas através de subsídios públicos para os compradores. Não há neste
caso, portanto, nenhuma “burocracia” nem “amarra ideológica” que dificulte a
ação do programa, nem muito menos uma relação “preconceituosa com o capital”,
já que o setor da indústria da construção civil foi o grande protagonista na
montagem e execução do MCMV.
Assim, podemos inferir que o
novo ministro, ao propor uma “aposta nas PPPs” na área de desenvolvimento
urbano, está se referindo a alguns exemplos de PPPs estruturadas, sobretudo, em
torno da preparação das cidades para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e que contam
– sempre – com a participação ativa das grandes empreiteiras, justamente
aquelas que têm sido objeto de investigação no processo da Operação Lava Jato,
e outras com menos visibilidade na mídia.
Um exemplo “de sucesso” seria
a PPP Porto Maravilha, na área central do Rio de Janeiro. Essa é uma PPP na
qual um consórcio, formado por três empreiteiras (Odebrecht, OAS e Carioca
Engenharia), implanta todas as transformações urbanas e faz a gestão do
território por 15 anos. 100% dos recursos para financiar a operação (incluindo
as obras e a remuneração do trabalho do consórcio) vêm dos cofres públicos,
através de um aporte de mais de R$ 4 bilhões do nosso FGTS.
Como nesta PPP o custo total
da operação ultrapassa os R$ 8 bilhões, os outros R$ 4 bilhões serão arrecadados
através da especulação imobiliária com terrenos públicos. Isso porque, além do
aporte de bilhões de reais do FGTS, foram disponibilizados terrenos públicos
(70% da área, antiga zona portuária do Rio de janeiro, era pública) para serem
explorados pelo consórcio, em sociedade com incorporadoras e fundos de
investimento, através do lançamento de produtos imobiliários como torres
corporativas e hotéis, ou seja, apenas com usos que têm alta taxa de retorno
financeiro, e não com os usos de que a cidade do Rio mais precisa neste
momento.
Em resumo, numa operação como
esta, o que temos de “privado” é basicamente o lucro das incorporadoras, fundos
de investimento e empreiteiras do consórcio, já que os custos são totalmente
públicos. Não há grande diferença entre essa modalidade e as contratações de
empreiteiras para grandes obras e serviços públicos, notadamente a grande fonte
de relações incestuosas entre o Estado e o setor privado, com grande relação,
como temos visto, no nosso modelo político-eleitoral.
No caso da PPP do Porto
Maravilha, aliás, já foi amplamente noticiada
a denúncia de que empresas do consórcio pagaram propina ao ex-presidente
da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), que teria intermediado a entrada
dos recursos do FGTS na operação. Essas empresas estão sendo investigadas pela
operação Lava Jato. A imprensa também já noticiou as relações do novo ministro
com a Odebrecht, uma das participantes do consórcio, que teria financiado sua
campanha em 2010 e campanhas de candidatos a prefeito ligados a ele em 2012,
não se sabe ainda se legal ou ilegalmente. Sempre é bom lembrar que o pagamento
pelo favor das doações para as campanhas se dá através da contratação
preferencial dessas empresas para grandes obras públicas.
Ora, as PPPS, apregoadas pelo
novo ministro como “solução” para os problemas de desenvolvimento urbano, nada
mais são do que um aprofundamento justamente da relação promíscua entre o
privado e o Estado, cuja essência é a privatização de fundos e recursos
públicos, articulada à viabilização da permanência no poder de grupos
políticos. Esta é a forma como os personagens diretamente envolvidos nessas
iniciativas têm se comportado até o momento. E continuam, infelizmente, sendo
estes os personagens da tão falada “mudança”.
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