O boom do setor da construção civil, calcado no esforço governamental para reduzir o déficit habitacional de 7 milhões de moradias, poderá tornar o país em exemplo de construções populares de menor impacto ambiental e maior qualidade se as iniciativas de políticas públicas, e até empresariais, conseguirem vencer a falta de capacitação e convencer os empresários da viabilidade econômica a longo prazo dos projetos.
Historicamente, a incorporação de novas tecnologias e técnicas sempre representam um fator de risco para empresários, que vêm nelas maiores custos e possibilidade de erros em projetos que, em última instância, reduzem o retorno dos investimentos.
No entanto, planejamento e um amplo programa de treinamento pode tornar ubíquitas soluções que reduzam impactos ambientais e melhoram a eficiência energética do ambiente construído, até agora relegadas a setores altíssima renda.
Mas, na maioria dos casos, não estamos falando de tecnologias inéditas, e sim de tecnologias testadas e simples, como aquecimento solar, sistemas de captação e reuso de água, equipamentos que trazem mais eficiência no uso de água e eletricidade como medidores individualizados, sensores em áreas públicas e torneiras e descargas que controlam o fluxo de água e até projetos arquitetônicos que melhoram a iluminação e ventilação natural das unidades de moradia.
"Estamos falando de reduções no custo da manutenção do edifício durante décadas de 30% em diante, que para a baixa renda é garantia de poder pagar as prestações e sobrar dinheiro para outras atividades," explicou Gláucio Gonçalves, do escritório de arquitetura Espaço brasileiro de Arquitetura (EB-A) de São Paulo, que busca financiadores para construir um projeto para um conjunto habitacional visando exatamente o setor de baixa renda.
Além disso, durante a construção, podemos vislumbrar a adoção de técnicas, processos e tecnologias que reduzam o uso de água, a geração e reuso de resíduos, além de organizar as compras de materiais localmente.
"Temos estudos que estas técnicas podem reduzir em 50% dos custos de materiais como brita, areia e cimento," disse Jean Benevides, gerente de sustentabilidade da Caixa Econômica Federal. "O custo de alugar uma maquina ou alocar trabalhadores para triturar ou peneirar os detritos podem ser compensados pela redução dos custos nas compras e na contratação de caçambas".
Para Benevides, este é um ganho importante para o meio ambiente, pois nas cidades brasileiras, não só os caçambeiros têm que viajar dezenas de quilômetros para dispor dos dejetos em aterros de inertes, mas por que a falta de espaço encarece cada vez mais.
A importância de buscar sustentabilidade na construção de habitações populares se faz cada vez mais relevante frente ao agravamento do problema das mudanças climáticas e ao fato que a maioria das habitações a serem construídas será nas faixas mais populares.
Das 1 milhão de casas do programa Minha Casa Minha Vida, nada menos que 400 mil serão para faixas populares até três salários. Levando em conta que o setor de construção civil consome cerca de 40% de todas as matérias primas, 20% do consumo de água enquanto é responsável por 30% da geração de resíduos e, durante a construção e operação dos edifícios é responsável por 35% da energia consumida, o impacto deste projeto é enorme.
Isto sem contar que o setor de cimento e siderúrgicos, é um dos maiores emissores de carbono no Brasil, respondendo juntos por 7% das emissões de gases efeito estufa, devem ser os setores que mais crescerão e emitirão nos próximos anos.
Sendo assim, um estudo da consultoria McKinsey&Company identificou oportunidades de redução de emissões de 8,5 milhões de toneladas de CO2 até dos 2030, dos quais 25% podem vir de melhoria no sistemas de iluminação, 25% na troca de sistemas de aquecimento de água, outros 20% virão de melhorias no isolamento térmico dos edifícios e mais 35% de eletrodomésticos e eletroeletrônicos mais eficientes.
No entanto, o grande desafio é convencer os empresários a olhar os retornos no longo prazo, tanto em satisfação do usuário de sua habitação, que podem diferenciar seus projetos num mercado altamente competitivo e regionalizado, quanto em em redução de risco frente as novas e mais restritiva legislação ambiental.
"Cada vez mais a legislação ambiental vai obrigar o uso de novas tecnologias que reduzam o impacto ao meio ambiente das atividades econômicas," disse Oren Pinsky, administrador do fundo cleantech (tecnologias limpas) da casa de investimentos paulistana Stratus que estudou investir em prédios verdes no lançamento de fundo de R$60 milhões em 2002.
Mas nos canteiros de obras, o que se vê é uma corrida para fazer prédios rapidamente, de baixíssimo custo, altíssima densidade de ocupação do terreno para garantir que, do lado das construtora, o lucro venha tanto da venda da unidade, quanto do número de unidades vendidas, e, do lado do poder público, ganhos políticos de realocar o máximo de pessoas possíveis em programas habitacionais públicos.
O desafio, conforme explicaram os especialistas, é de garantir o equilíbrio entre a qualidade ambiental e a viabilidade financeira. No programa nacional Minha Casa Minha Vida, os planejadores têm que fazer um malabarismo para possibilitar a adoção de técnicas de construção adequadas às normas de qualidade e ambientais, garantir o retorno para as construtoras, esticar o colchão curto dos subsídios tudo dentro de unidades que, nos centros urbanos, tem que custar para mutuário não mais de cera de R$50 mil por unidade e restringir a prestação mensal a não mais de 10% da renda mensal de famílias entre 0 a três salários mínimos – ou seja, prestações que atinjam no máximo cerca de R$200 por mês.
ACESSO A SERVIÇOS PÚBLICOS
Além disso, tanto por causa do Estatuto das Cidades, quando pela incorporação de conceitos de urbanismo e econômicas, hoje se busca localizar os projetos em áreas já dotadas de infraestrutura social e urbana como saneamento básico, transporte e equipamentos públicos de saúde, educação e lazer.
"Afinal, esta população é a maior cliente dos serviços públicos," lembrou Liane Makowski, coordenadora de um concurso tipologias sustentáveis desenvolvido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil de São Paulo e a Companhia de Desenvolvimento e Habitação Urbana do Estado de São Paulo (CDHU).
Para Roberto Kauffmann, presidente do Sindicato da Indústria de Construção Civil do Rio de Janeiro (Sinduscon-RJ), o dilema tem que ser solucionado com um aumento no subsídio governamental para os mutuários, possibilitando a majoração do preço final da moradia.
"Estamos discutindo isso com o governo, mas provamos que é possível adotar tecnologias sustentáveis para construções de baixa renda," disse.
Em parceria com o a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), foi elaborado um projeto piloto na orla degradada as ferrovias, perto da Avenida Brasil na capital fluminense, com um projeto que visa melhorar a qualidade de vida localizada em áreas já bastante urbanizadas que conta não só com edifícios de no máximo cinco andares, com ocupação de até 50% do terreno, arborização nos estacionamentos, reuso de água e espeço para gerenciamento de resíduos recicláveis.
Além disso, disse Kauffmann, é importante botar materiais de revestimento com alta durabilidade, pois reduz o custo da manutenção, fator importante para famílias de baixa renda, e prevê projetos de assistência social para os moradores. O preço final: de R$130 mil, ou seja, R$60 mil a R$70 mil por unidade a ser financiado.
A viabilidade também é garantida pela redução de impostos municipais e tarifas burocráticas já aprovadas na cidade para projetos de habitação popular.
"É totalmente viável, mas o construtor tem que se satisfazer com um margem de lucro de 15% a 20%, que é uma margem muito boa pois ganha no volume," disse.
HISTÓRICO CONDENÁVEL, LIÇÃO APRENDIDA?
O histórico da habitação popular no Brasil pode ser condenável pela sua falta de alcança e efetividade, mas dele os planejadores e pesquisadores de hoje têm tirado lições importantes que agora começam a ser levadas em conta nos novoas programas habitacionais dos municípios, estados e do governo federal. Podemos chamar da síndrome da Cidade de Deus, filme que teve como plano de fundo um projeto de habitação popular dos anos 50 que, por ser afastado do centro , foi favelizado e ocupado pelo crime organizado.
Não obstante esta estigmatização da população de baixa renda, que, neste projetos, foram deslocados para a periferia das grandes cidades longe de trabalho e familiares, a qualidade da habitação deixou muito a desejar. Segundo estudos acadêmicos, arquitetos e engenheiros identificaram falhas desde rachaduras, infiltração, revestimentos soltando até desconforto térmico e acústico, portas e janelas pequenas que inibem ventilação e iluminação natural e estruturas que não condizem com os hábitos culturais dos moradores.
Um estudo de 2009 feito por James Roque da Universidade de Campinas sobre a qualidade do material usado concluiu que 38% dos projetos habitacionais estudados tinham algum problema estrutural excedendo a tolerância de 5% pelos manuais técnicos da Caixa Econômica Federal.
Além disso, um trabalho apresentado pela equipe liderada pela pesquisadora Eleonora de Assis da Universidade Federal de Minhas gerais em setembro de 2009 no II Congresso Brasileiro de Eficiência energética mostrou que os edifícios de habitação popular causam extremo desconforto térmico e aumentam o uso de eletricidade para ventilação e iluminação. Os pesquisadores constataram que no verão, abrir portas e janelas não é suficiente para refrescar o meio ambiente, e no inverno, o desconforto é citado pela maioria dos entrevistados, enquanto as instalações elétricas foram classificadas como precárias em 67% das moradias estudadas e a iluminação artificial tem que ser usada nos banheiros e cozinhas a qualquer hora do dia.
A proposta de uma habitação eficiente feita pela equipe de Assis inclui conceitos arquitetônicos como a correta orientação em relação a incidência solar, ventilação cruzada, iluminação natural em ambientes de maior uso durante do dia, a aplicação de materiais e técnicas construtivas adequadas ao clima local e instalação de aquecedores solares, que, em conjunto com projetos elétricos mais eficientes e lâmpadas fluorescentes compactas resultaria numa redução mensal do consumo de energia de 40% para 109,54kWh por mês.
Um outro projeto implementado pela equipe do Núcleo Orientado para a Inovação da Edificação (Norie) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em Nova Hartz incluiu os mesmos itens que o projeto mineiro, mas também propôs no projeto Casa Alvorada a coleta de água da chuva, aŕea de uso coletivo no terreno para plantar hortas e fazer tratamento inicial de esgoto, uso de esquadrias de madeira para melhorar o isolamento térmico, pérgolas com plantas externas para ajudar no controle da iluminação e sombreamento e até utilizar o calor do forno a lenha par ajudar no aquecimento do ambiente durante o inverno sulino.
Já no Maranhão, um projeto liderado pelo Incra e o Ministério do Meio Ambiente desenvolveu um protótipo de casas rurais usando técnicas de bioconstrução que utilizam não só materiais comuns na região, mas levam em conta o clima. Lá o projeto de uma casa de 106 m2 utilizou materiais feitos de cimento, barro e palha edificada em mutirão custou cerca de R$6 mil, uma fração do custo de R$22 mil que uma projeto convencional custaria.
Apesar da extensa bibliografia experimentos sobre sustentabilidade ambiental em construções populares produzidos nas universidades brasileiras nas últimas duas décadas, pouco ainda foi implementado em projetos de grande porte.
"Os conceitos da bioclimática são ensinados nas escolas de arquitetura, mas quando o arquiteto vai ao mercado estes conceitos não são utilizados," lembrou Makowski.
O PAPEL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
No entanto, uma luz no final do túnel começa a surgir. Não só os municípios começam a exigir respeito ás questões ambientais mas também os agentes governamentais de fomento à habitação popular começam a estudar e implementar técnicas de menor impacto ambiental.
Porto Alegre exigirá sistemas de coleta e reuso de água da chuva e aquecedor solar nos projetos de Minha Casa Minha Vidas e em Ilhéus, o conselho municipal de proteção do meio ambiente exigiu também a implementação de sistemas de reúso de água.
Além disso, centenas municípios no Brasil já passaram leis obrigando o uso de aquecedores solares, aderindo a uma campanha nacional da Associação dos Fabricantes de aquecedores solares (Abrava).
"Todos os financiamentos da Caixa têm que atender a normas locais, e estas medidas são benvindas," avaliou Benevides.
Ao mesmo tempo, a Caixa Econômica Federal, seguindo um convênio firmado no lançamento do programa Minha Casa Minha Vida deve implantar aquecedores solares em 40 mil residências em 2010, sendo que 12 mil vão ser instalados no estado de São Paulo, 12 mil em Minas Gerais, 4.500 no Rio de Janeiro e 3 mil no Rio Grande do Sul.
Baseado em estudos nos últimos meses, o banco já treinou 58 de seus 1.200 engenheiros para analisar os projetos de acordo as normas técnicas que garantam que o equipamentos tenham selo Procel de desempenho energético A ou B. Ao longo to ano Benevides espera treinar instaladores e fazer workshops com construtoras para superar resistência do setor.
"Existe um histórico de desconfiança pelo passado desta tecnologia," disse.
No entanto, o custo de implantação de R$1700 por casa e R$2500 por apartamento será absorvido no financiamento subsidiado concedido pela Caixa para faixa de renda até três salários mínimos.
A permeabilização do solo, exigência de madeira legal, sistemas de esgotamento sanitário adequados os programas de redução de impacto ambientais locais, além de medidores individualizados, louças e metais que reduzem o consumo de água e incentivo a gestão dos resíduos da construção serão também serão incorporador para ajudar no desempenho térmico, que no fim ajudam.
"Estudos demonstram que o aquecedor solar pode reduzir em 30% a conta de energia," explicou, salientando que a patir de junho, a Caixa também vai usar o critérios do Selo Casa Azul para melhorar o desempenho ambiental das obras financiadas por meio de até 31 critérios para reduzir os impactos socioamabientais. "A nossa meta é financiar 30 empreendimentos com o selo até o final de 2010, pois as empresas vão querer se diferenciar".
Em São Paulo e Minas Gerais, as empresas de habitação, CDHU e Cohab respectivamente, já vêm implantando aquecedores solares nas residências nos últimos dois anos. A empresa paulista já instalou cerca de 6 mil equipamentos, ela anunciou planos de instalar 48 mil aquecedores nos próximos anos. A Cohab por sua vez já instalou cerca de 2 mil destes equipamentos.
As duas estão participando do concurso com o Instituto dos Arquitetos do Brasil, com apoio do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) para tipologias sustentável de habitação popular. Para a coordenadora do programa no IAB-SP, Makowski, o projetos vencedores do concurso devem obrigatoriamente ser adotadas pela CDHU, pois tem caráter de licitação pelo tamanho do prêmio de e da complexidade.
O concurso exige memorial descritivo que garantam que os projetos sejam economicamente viáveis mas que adotem técnicas construtivas que visam durabilidade, minimização de geração de resíduos, aquecimento solar e reuso de água, ventilação e iluminação natural, ocupação do solo adequada, além de quesitos que garantam acessibilidade para idosos, deficientes físicos e crianças.
"É uma oportunidade que surgiu e que estamos discutindo desde 2009," disse Makowski.
Apesar de haver um consenso dos ganhos de incluir tecnologias de menor impacto ainda existe um grande desafio que vem tanto da falta de demanda dos moradores, quando da resistência dos agentes financeiros e produtivos do setor imobiliário. Para Eugênio Singer, coordenador técnico da empresa de planejamento urbano, Aecom, a sociedade precisa adotar novos paradigmas que unam planejamento e que não prescinda de envolver os políticos e até o setor educacional.
"Temos que unir a questão do conforto com o acesso, pensar em como usamos a água, pensar no aquecimento, na ventilação e segurança e é possível sim ter maior eficiência nos recursos naturais," explicou. "A questão de enfrentamento do aquecimento global é uma oportunidade única para mudar a cara pensando mais no ganho a longo prazo e articulando a política com o planejamento".