Com os dizeres “Aluguel, nem pensar” colocados na lateral, uma van da Sol, divisão de imóveis populares da imobiliária paulista Fernandez Mera, estacionou nas proximidades do terminal rodoviário de Barueri, na região metropolitana de São Paulo, na manhã de 18 de maio. Antes mesmo de o coordenador gritar a palavra de ordem aos dez corretores uniformizados de camisa amarela – “Vamos à guerra!” -, uma senhora interessada na compra da casa própria já pedia informações. Minutos depois, as dezenas de pessoas enfileiradas que aguardavam no terminal a chegada dos ônibus carregavam nas mãos o folheto verde com a informação de que é possível adquirir um imóvel por 56 000 reais. No final do dia, os corretores contabilizavam nas pranchetas 311 cadastros de interessados. O “arrastão” da casa própria, feito também em saídas de estações de metrô, ruas de comércio popular e dentro de grandes empresas, é uma das estratégias usadas pelos 300 corretores da Sol para vender casas e apartamentos a consumidores que nem sequer sabem que têm renda suficiente para adquiri-los.
A possibilidade de adentrar nesse imenso terreno praticamente inexplorado fez com que a venda de imóveis para a baixa renda se tornasse um mercado com vida própria. Em agosto, a Sol será transformada em uma empresa separada da Fernandez Mera, com sede e equipe próprias. Em termos de lançamentos, a nova imobiliária deve logo ultrapassar a própria empresa que a originou. A expectativa da Sol é lançar 6 000 unidades no segundo semestre – o triplo da Fernandez Mera. Na Lopes Brasil, maior imobiliária do país, o ritmo das vendas para a baixa renda também vem surpreendendo. “Estamos vendendo 60% das unidades no próprio lançamento. Na alta renda, leva cerca de seis meses para chegar a esse nível”, diz Maurílio Scacchetti, diretor comercial da Habitcasa, empresa criada pela Lopes para comercializar imóveis populares.
Nos últimos anos, diversos setores da economia brasileira viveram os efeitos transformadores da ascensão da nova classe média. As mudanças ocorreram tanto em produtos simples – a marca Cacau Show foi criada há nove anos para oferecer chocolates aos consumidores da classe C e hoje é a maior franquia de alimentos do país – quanto em serviços mais complexos, como o segmento de ensino superior, que viveu a proliferação de universidades particulares nos últimos anos. Diante do crédito mais farto e de uma boa dose de incentivos vindos do programa do governo Minha Casa, Minha Vida, a baixa renda se transformou num mercado atraente também para as imobiliárias. Segundo estimativas da Caixa Econômica Federal, mais de 700 000 famílias que estavam totalmente à margem desse mercado passaram a ter acesso ao crédito imobiliário no último ano.
O resultado dessa onda de potenciais compradores já é visível na concessão de crédito. Os financiamentos da Caixa para imóveis de até 130 000 reais, voltados para pessoas com renda de até dez salários mínimos, devem atingir 42 bilhões de reais neste ano – quase o triplo de 2008 e oito vezes mais do que o valor concedido no início da década. Só nos quatro primeiros meses de 2010, 160 000 casas e apartamentos foram vendidos por meio do Minha Casa, Minha Vida – o equivalente a 60% do total comercializado pelo programa em 2009. Com o aumento da demanda, as incorporadoras correm para lançar imóveis que se encaixem nesse perfil. Segundo dados da Lopes Brasil, a participação de unidades de até 130 000 reais no total de lançamentos chegou a 44% neste primeiro trimestre – em 1998, esses imóveis representavam apenas 23%. Imersas nesse mercado em ebulição, as imobiliárias estão dispostas, mais do que nunca, a entrar na disputa pela baixa renda.
Diferentemente do princípio matemático, na comercialização de imóveis a ordem dos fatores altera, sim, o resultado. As empresas já aprenderam que o primeiro passo para uma venda de sucesso no segmento popular é descobrir a renda do interessado para posteriormente oferecer uma opção que caiba em seu bolso. “Não adianta mostrar um apartamento de três quartos a um cliente e depois frustrá-lo dizendo que ele não pode comprar”, diz Sérgio Freire, presidente da Brasil Brokers, imobiliária com sede no Rio de Janeiro que criou em 2009 a Casa Fácil, divisão destinada a comercializar imóveis populares. Na alta renda, o processo é inverso. Primeiro, descobrem-se quais são os desejos do comprador – em que bairro quer morar, de quantas garagens precisa -, para depois falar em preços e formas de pagamento. A velocidade das vendas nos dois segmentos também é diferente. Segundo a imobiliária Lopes Brasil, de São Paulo, 32% dos clientes de baixa renda assinam o contrato na primeira visita – na alta renda, esse índice é de 15%.
Apesar do pouco tempo de experiência, os corretores de imóveis para a baixa renda já têm uma estratégia consagrada para ajudar nas vendas: a indicação. Uma pesquisa da incorporadora mineira Direcional Engenharia mostrou que a indicação de familiares e amigos motivou 63% das vendas de um empreendimento popular em Manaus. A percepção é que a mesma estratégia vale, em maior ou menor medida, para outras regiões do país. A tática do boca a boca nesse caso é tão eficiente que os corretores desenvolvem, por conta própria, ações para receber mais nomes de potenciais compradores. No fim de 2009, um único corretor da Sol foi responsável por vender 85 apartamentos de um empreendimento popular em Osasco, na Grande São Paulo, ao oferecer produtos como panela de pressão e bola de futebol aos filhos de quem indicasse outros clientes.
Como a maioria do público de baixa renda está adquirindo um imóvel pela primeira vez, as imobiliárias e as incorporadoras também atuam como conselheiras. Não é raro ver os corretores ajudando os compradores a reunir os documentos para encaixá-los nos requisitos do Minha Casa, Minha Vida. Poucos sabem que é possível somar a renda de até três pessoas para participar do programa. O auxílio aos futuros moradores também é feito com orientações para a administração dos empreendimentos depois de prontos. “Se os condôminos concordarem, dá para faturar cedendo espaço para o comércio ou alugando o salão para casamentos”, diz Roberto Senna, presidente da Bairro Novo, empresa do grupo Odebrecht responsável pelo segmento de imóveis populares.
As imobiliárias e as incorporadoras também aprenderam que é necessário reforçar a divulgação em locais próximos aos empreendimentos. O motivo são as relações pessoais. Segundo uma pesquisa do instituto Data Popular, 44% da população da classe C tem o hábito de cuidar dos filhos dos vizinhos, ante 6,5% na classe A. A publicidade mais localizada tem um efeito colateral bem-vindo: reduz custos. As despesas comerciais de empresas do segmento popular chegam à metade dos gastos de companhias, como a Cyrela, que também realizam lançamentos de alto padrão.
Até agora, a soma dessas estratégias tem dado resultado – os novos empreendimentos populares devem estar 100% vendidos antes de ficar prontos. As atenções se voltaram para as construtoras, responsáveis pela entrega dos imóveis. “Em algumas regiões, há dificuldade para conseguir mão de obra, o que pode gerar atrasos”, diz Antônio Ferreira, diretor de incorporação da Gafisa. São as dores de um mercado em revolução – com tanta gente querendo deixar o aluguel ao mesmo tempo, é preciso cautela para que tudo termine bem.
A possibilidade de adentrar nesse imenso terreno praticamente inexplorado fez com que a venda de imóveis para a baixa renda se tornasse um mercado com vida própria. Em agosto, a Sol será transformada em uma empresa separada da Fernandez Mera, com sede e equipe próprias. Em termos de lançamentos, a nova imobiliária deve logo ultrapassar a própria empresa que a originou. A expectativa da Sol é lançar 6 000 unidades no segundo semestre – o triplo da Fernandez Mera. Na Lopes Brasil, maior imobiliária do país, o ritmo das vendas para a baixa renda também vem surpreendendo. “Estamos vendendo 60% das unidades no próprio lançamento. Na alta renda, leva cerca de seis meses para chegar a esse nível”, diz Maurílio Scacchetti, diretor comercial da Habitcasa, empresa criada pela Lopes para comercializar imóveis populares.
Nos últimos anos, diversos setores da economia brasileira viveram os efeitos transformadores da ascensão da nova classe média. As mudanças ocorreram tanto em produtos simples – a marca Cacau Show foi criada há nove anos para oferecer chocolates aos consumidores da classe C e hoje é a maior franquia de alimentos do país – quanto em serviços mais complexos, como o segmento de ensino superior, que viveu a proliferação de universidades particulares nos últimos anos. Diante do crédito mais farto e de uma boa dose de incentivos vindos do programa do governo Minha Casa, Minha Vida, a baixa renda se transformou num mercado atraente também para as imobiliárias. Segundo estimativas da Caixa Econômica Federal, mais de 700 000 famílias que estavam totalmente à margem desse mercado passaram a ter acesso ao crédito imobiliário no último ano.
O resultado dessa onda de potenciais compradores já é visível na concessão de crédito. Os financiamentos da Caixa para imóveis de até 130 000 reais, voltados para pessoas com renda de até dez salários mínimos, devem atingir 42 bilhões de reais neste ano – quase o triplo de 2008 e oito vezes mais do que o valor concedido no início da década. Só nos quatro primeiros meses de 2010, 160 000 casas e apartamentos foram vendidos por meio do Minha Casa, Minha Vida – o equivalente a 60% do total comercializado pelo programa em 2009. Com o aumento da demanda, as incorporadoras correm para lançar imóveis que se encaixem nesse perfil. Segundo dados da Lopes Brasil, a participação de unidades de até 130 000 reais no total de lançamentos chegou a 44% neste primeiro trimestre – em 1998, esses imóveis representavam apenas 23%. Imersas nesse mercado em ebulição, as imobiliárias estão dispostas, mais do que nunca, a entrar na disputa pela baixa renda.
Diferentemente do princípio matemático, na comercialização de imóveis a ordem dos fatores altera, sim, o resultado. As empresas já aprenderam que o primeiro passo para uma venda de sucesso no segmento popular é descobrir a renda do interessado para posteriormente oferecer uma opção que caiba em seu bolso. “Não adianta mostrar um apartamento de três quartos a um cliente e depois frustrá-lo dizendo que ele não pode comprar”, diz Sérgio Freire, presidente da Brasil Brokers, imobiliária com sede no Rio de Janeiro que criou em 2009 a Casa Fácil, divisão destinada a comercializar imóveis populares. Na alta renda, o processo é inverso. Primeiro, descobrem-se quais são os desejos do comprador – em que bairro quer morar, de quantas garagens precisa -, para depois falar em preços e formas de pagamento. A velocidade das vendas nos dois segmentos também é diferente. Segundo a imobiliária Lopes Brasil, de São Paulo, 32% dos clientes de baixa renda assinam o contrato na primeira visita – na alta renda, esse índice é de 15%.
Apesar do pouco tempo de experiência, os corretores de imóveis para a baixa renda já têm uma estratégia consagrada para ajudar nas vendas: a indicação. Uma pesquisa da incorporadora mineira Direcional Engenharia mostrou que a indicação de familiares e amigos motivou 63% das vendas de um empreendimento popular em Manaus. A percepção é que a mesma estratégia vale, em maior ou menor medida, para outras regiões do país. A tática do boca a boca nesse caso é tão eficiente que os corretores desenvolvem, por conta própria, ações para receber mais nomes de potenciais compradores. No fim de 2009, um único corretor da Sol foi responsável por vender 85 apartamentos de um empreendimento popular em Osasco, na Grande São Paulo, ao oferecer produtos como panela de pressão e bola de futebol aos filhos de quem indicasse outros clientes.
Como a maioria do público de baixa renda está adquirindo um imóvel pela primeira vez, as imobiliárias e as incorporadoras também atuam como conselheiras. Não é raro ver os corretores ajudando os compradores a reunir os documentos para encaixá-los nos requisitos do Minha Casa, Minha Vida. Poucos sabem que é possível somar a renda de até três pessoas para participar do programa. O auxílio aos futuros moradores também é feito com orientações para a administração dos empreendimentos depois de prontos. “Se os condôminos concordarem, dá para faturar cedendo espaço para o comércio ou alugando o salão para casamentos”, diz Roberto Senna, presidente da Bairro Novo, empresa do grupo Odebrecht responsável pelo segmento de imóveis populares.
As imobiliárias e as incorporadoras também aprenderam que é necessário reforçar a divulgação em locais próximos aos empreendimentos. O motivo são as relações pessoais. Segundo uma pesquisa do instituto Data Popular, 44% da população da classe C tem o hábito de cuidar dos filhos dos vizinhos, ante 6,5% na classe A. A publicidade mais localizada tem um efeito colateral bem-vindo: reduz custos. As despesas comerciais de empresas do segmento popular chegam à metade dos gastos de companhias, como a Cyrela, que também realizam lançamentos de alto padrão.
Até agora, a soma dessas estratégias tem dado resultado – os novos empreendimentos populares devem estar 100% vendidos antes de ficar prontos. As atenções se voltaram para as construtoras, responsáveis pela entrega dos imóveis. “Em algumas regiões, há dificuldade para conseguir mão de obra, o que pode gerar atrasos”, diz Antônio Ferreira, diretor de incorporação da Gafisa. São as dores de um mercado em revolução – com tanta gente querendo deixar o aluguel ao mesmo tempo, é preciso cautela para que tudo termine bem.
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