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terça-feira, 12 de maio de 2009

Coordenador do Núcleo de Real Estate da Poli-USP fala sobre novo segmento de mercado aberto pelo pacote habitacional

À frente do Núcleo de Real Estate da Poli-USP (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo), o professor João da Rocha Lima Jr. firmou-se como um dos observadores mais críticos das oscilações pelas quais passa o mercado imobiliário brasileiro. No começo do mês de abril, recebeu a reportagem de Construção Mercado para avaliar o impacto e as consequências do programa habitacional do governo Lula, "Minha Casa, Minha Vida". Além dos aspectos chamativos do plano (a meta de construção de um milhão de moradias e o enfoque inédito em famílias com renda de até três salários mínimos), Lima Jr. salientou o que para ele foi o principal trunfo dos idealizadores: destinar os recursos para fortalecer o poder de compra da população, em vez de custear a produção das moradias em si. "Dessa maneira, a regulação é mais simples e o controle do processo muito mais adequado", afirmou. Acompanhe a entrevista.

O novo plano habitacional atende à demanda por habitação das classes de renda mais baixa?
A habitação de baixa renda é responsabilidade do Estado. Não pode ser do sistema empresarial porque não há forma adequada de se equilibrar planejamento do produto, do ponto de vista da necessidade que o público tem, com a capacidade de pagamento que esse público dispõe. As margens não permitem a validação do investimento. Existem algumas formas de se fazer habitação a esse público, porém a mais adequada é com subsídio - não no custo, mas sim na capacidade de pagamento. Dessa maneira, a regulação é mais simples e o controle do processo muito mais adequado. Você usa as forças do mercado, o conhecimento, a expertise e sua capacidade de produzir e de articular, e deixa o Estado entrar naquilo que é necessário: apoiando o indivíduo, a família, para que sejam capazes de acessar o produto. Aparentemente, essa é a lógica do plano - o que o torna válido.

Como analisa as divisões de renda que o plano estabelece (até três, de três a seis e de seis a dez salários mínimos mensais)?
Essa divisão por preço é uma forma fácil e rápida de se enquadrar. A questão é que até três salários mínimos, por exemplo, é um intervalo muito extenso. Se deixar até três, provavelmente o sistema vai produzir para três - não vai ter casa para quem ganha um ou dois salários. Mesma coisa nas demais faixas. Isso precisa ser melhor ajustado. Seria razoável fazer o enquadramento do preço no múltiplo da renda. Você diz: "o preço tem que ser x vezes a renda". Classifica-se simplesmente por valor de transação. Ficaria mais simples.

E quanto à padronização das unidades segundo tipologias?
Isso não tem coerência. Deve haver liberdade para quem vai produzir. Evidente que se pode determinar algo como "casa mínima". Mas não vejo necessidade, uma vez que isso se encontra nas leis de uso e ocupação de solo de todos os municípios, além do código de obras. As prefeituras têm o direito de impor disciplinas para que se construa nas cidades - tamanhos mínimos de ambientes, itens dessa ordem. Acho um modo ruim de classificar, porque normalizaria o Brasil inteiro em situações que não tem sentido.

As grandes incorporadoras encontrarão margem para atuar nos segmentos de renda visados pelo programa?
Seja para as empresas especializadas em baixa renda, seja para todas as outras que pretendem entrar nesse nicho, abre-se um segmento de mercado que era muito difícil ser explorado. Só que aí tem algumas coisas a se considerar. A primeira é a diferença quando se sai dos produtos de renda média para os produtos de renda baixa. Quando se fala de produto de renda média, a competitividade vem pelo marketing de produto. Quando se ingressa na baixa renda, muda-se para engenharia de produto. Você passa a ser competitivo pela sua capacidade de planejar o empreendimento, em todas as suas vertentes, desde o desenho, passando pela localização adequada, até a equação do preço. E tem outras variáveis de decisão, de relacionamento com o mercado. Não adianta fazer um anúncio muito interessante, ou muito competente. Não adianta dotar o produto de uma variável emocional, de uma vantagem acessória, e fazer um marketing focado nesse benefício, se não for possível ter um produto competitivo. O ponto não está aí, mas na adequação do empreendimento. É um fato a ser levado em conta.

Que outros desafios de atuação nesse segmento você destaca?
A escala é outro ponto importante. Para se trabalhar com produtos de preços muito baixos (e certamente grande parte dessas operações será em construção de casas), vão existir grandes canteiros horizontais, em grandes terrenos, de modo a se absorver os custos administrativos da produção. Isso envolve problemas de planejamento mais sofisticados do que simplesmente saber construir. Primeiro, a engenharia de canteiros horizontais é completamente diferente da engenharia de canteiros verticais. Todos sabem fazer, têm procedimentos, sistemas, não é segredo. Isso inclusive é o que menos diferencia as empresas. A questão é se preparar para fazer.

A localização dos empreendimentos não tende a ser um entrave?
O problema da habitação de baixa renda, na medida em que tem de ser produzida em terrenos baratos e afastados dos grandes centros, começa com a identificação de onde está o gerador de empregos na vizinhança. Daí em diante começa o desenho físico do produto. Mas, antes, tem que encontrar essa equação. Se não encontrar, não há mercado, não se consegue induzir a compra. A pessoa não vai se deslocar quatro horas para ir e voltar do emprego. O negócio de baixa renda começa assimilando-se isso com muita clareza. E planejando com cuidado. Senão teremos muita oferta sem demanda, ou oferta desequilibrada em relação à demanda.

Qual o espaço para participação de construtoras de menor porte?
Para empresas pequenas e médias sobra um espaço importante, de fazer os empreendimentos pequenos e médios - de 100 ou 200 casas, nos municípios menores ou nas periferias das grandes regiões metropolitanas. Empreendimentos dessa natureza não serão destinados às grandes corporações, porque elas não possuem escala e rentabilidade para executá-los.

Os municípios têm infraestrutura para absorver os projetos?
Essa questão também precisa ser vista com muito cuidado. Vão ser pequenos bairros, não exatamente empreendimentos horizontais na escala em que estamos acostumados. Tem que pensar que não se trata de construir casa, mas sim rua, sistema de infraestrutura urbana, de serviços - a casa é o fim da linha. Infraestrutura envolve o tema do transporte, e aí se chega ao município, que em tese deve prover todos esses componentes: água, esgoto, transporte.

A Caixa Econômica Federal possui capacidade para gerir os trabalhos sozinha?
A Caixa tem uma estrutura de engenharia adequada, porque financia um volume expressivo de habitações. E conta com a vantagem de estar disseminada pelo País inteiro. Dificilmente ficará longe dos empreendimentos. Conseguirá fazer o papel dela caso saiba espalhar o processo decisório, levando-a para as hierarquias inferiores, para mais perto das agências e dos empreendimentos. Mas, caso haja uma centralização excessiva, poderemos ter um problema de trava no sistema - não haverá flexibilidade para colocar os recursos em circulação, com a velocidade necessária.

Quanto tempo acredita ser necessário para a viabilização de um milhão de unidades?
Se os recursos estiverem disponíveis, as empresas serão capazes de absorvê-los com grande velocidade. Tome-se o exemplo do Estado de São Paulo, onde estão previstas cerca de 180 mil moradias. Não é um número exótico para se fazer em dois anos (até o fim do mandato do presidente Lula), imaginando-se o poder das empresas. Se todas as 180 mil unidades forem na faixa de R$ 130 mil cada, serão aproximadamente R$ 23,5 bilhões em vendas. O custo é mais ou menos metade disso - perto de R$ 12 bilhões. Esse valor é certamente menor do que a produção acumulada de um ano de todas as grandes incorporadoras, de capital aberto.

O que poderia atrapalhar o cumprimento desse prazo?
Primeiro, há a busca por terrenos adequados, a concepção do planejamento. São de três a seis meses para instalar uma base operacional de produção de baixa renda. Algumas empresas já possuem terrenos em estoque - não sei se exatamente com os preços adequados, porém focando rendas menores. Depois, tem a aprovação de projetos e as licenças ambientais - que podem representar um problema, dependendo do município.

Por mais que o plano crie medidas de redução da burocracia para os licenciamentos?
O plano pode dar ênfase a isso, mas não pode aprovar os projetos. Quem tem de aprovar são as prefeituras. Pode-se dizer que o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) vai conceder licenças mais rapidamente, mas o plano não afirma que o Conama é obrigado a dar uma licença em 60 dias - e, se não der, está dada automaticamente. Não se pode fazer isso, seria um risco. Empreendimentos de mil ou duas mil habitações provocam perturbações relevantes do ambiente. As licenças ambientais terão que ser cuidadosamente concebidas.

Depois do planejamento e das aprovações legais, qual seria a próxima etapa?
O próximo passo seria a engenharia. Só que, nesse caso, tem um componente adicional: modificar a terra para fazer rua, esgoto, infraestrutura. Em geral isso não está no cronograma das empresas. Elas estão acostumadas a fazer a obra, começar a habitação. No programa do governo não é assim. Tem que começar a preparar a base. Se bem que canteiros horizontais podem utilizar sistemas pré-fabricados. Assim, é possível executar os dois itens em paralelo - infraestrutura e componentes industrializados. Certamente dá para montar um planejamento de engenharia e tocar obras velozes, inteligentes. Não vamos ter obras artesanais de construção de casas.

Há riscos de gargalos no fornecimento de matéria-prima para as obras?
Podem existir travas de insumos, mas acho difícil. Nesse volume de produção, não é nada que vai mexer com o mercado a ponto de ele mudar sua estrutura de consumo. Ao contrário: é um volume de produção grande, porém não é um volume jamais visto.
Fonte: Thiago Oliveira - Construção e Mercado

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