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segunda-feira, 28 de abril de 2014

Uma santa guerra entre Einstein e Sírio-Libanês

De um lado, a comunidade judaica do Albert Einstein. Do outro, os árabes do Sírio-Libanês. Os dois maiores hospitais do Brasil vivem um ciclo de investimentos e de competição, inédito

Por décadas, foi dito que a grande prova da hospitalidade de São Paulo era o fato de que, na cidade, a rivalidade entre árabes e israelenses se limitava a saber quem tinha o melhor hospital.

De um lado, o Albert Einstein, da comunidade judaica. Do outro, o Sírio-Libanês, fundado e administrado até hoje por famílias de origem árabe. Mas a verdade é que, na prática, a disputa não era tão pesada assim. Cada hospital tinha suas searas bem definidas, e um não incomodava o outro.

O Sírio, fundado em 1921 no bairro da Bela Vista, virou referência em oncologia — razão pela qual recebe pacientes famosos, como a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. O Einstein, inaugurado em 1955 no bairro do Morumbi, especializou-se em áreas como neurologia e transplantes.

A tal “guerra” dos dois hospi­tais era de mentirinha. Mas as coisas, lentamente, começaram a mudar. Há cinco anos, Einstein e Sírio iniciaram o maior ciclo de expansão de sua história.

Os dois hospitais crescem cerca de 15% ao ano e, juntos, investiram 3 bilhões de reais em novas unidades, negócios e centros de pesquisa. As fronteiras já não existem mais. Ninguém admite publicamente — mas, agora, é guerra mesmo.

A atual disputa se deve a uma mudança de postura. Antes satisfeitos em ter um atendimento de excelência em algumas áreas, hoje os dois hospitais querem fazer de tudo. Quem deu a largada foi o Einstein, que em 2009 começou a expandir seu negócio de diagnósticos. De lá para cá, abriu quatro centros em São Paulo e já é o quarto colocado no ranking do setor.

Menos de um ano depois, o Sírio inaugurou o primeiro laboratório externo em 2010, no bairro paulistano do Itaim Bibi, e procura um terreno na zona sul da cidade para abrir outra unidade — ambas especializadas em diagnóstico por imagem.

No principal negócio dos hospitais — o tratamento de doentes —, a concorrência está mais acirrada do que nunca. Com 670 leitos, o Einstein tinha quase o dobro do tamanho do concorrente. Com isso, virou referência em uma gama maior de especialidades. Em 2010, começou a instalar mini-hospitais em outros bairros de São Paulo, como Perdizes e Ibirapuera, chegando mais perto de seus pacientes.

Já tinha uma unidade nos Jardins desde 2001. Em resposta, o Sírio investiu 500 milhões de reais em três novas torres, que vão ampliar, nos próximos três anos, a capacidade do hospital de 372 para 727 leitos. A primeira ala ficará pronta em 2014. Algumas das áreas que são especialidade do rival Einstein serão ampliadas, como a de cardiologia, que vai ganhar 22 leitos de terapia intensiva.

O hospital também já escolheu os terrenos para abrir novas unidades em Campinas e no Rio de Janeiro. O Einstein, que há alguns anos estudou construir um hospital no Rio, suspendeu, pelo menos temporariamente, seus planos.

Em contrapartida, inaugurou, em dezembro, uma unidade especializada em tratamento de câncer — principal especialidade do Sírio, que tem um centro de oncologia desde 2002. Nos últimos meses, o Einstein investiu 50 milhões de reais em equipamentos e dobrou a capacidade de atender pacientes com câncer.

A rivalidade cresce porque as oportunidades nunca foram tão grandes. Em dez anos, os 35 maiores hospitais brasileiros triplicaram o faturamento e chegaram a uma receita de 13 bilhões de reais em 2013. “Com o aumento da renda e da expectativa de vida, a demanda só tende a crescer”, diz Pedro Zabeu, analista do mercado de saúde do banco Fator.

A Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) calcula que, para dar conta do aumento de demanda, as redes investirão 7,3 bilhões de reais até 2016. Einstein e Sírio investem também para se manter à frente de uma concorrência crescente. O hospital paulistano 9 de Julho, do empresário Edson Bueno, inaugurou em 2013 um novo prédio, que custou 40 milhões de reais.

Outros 180 milhões de reais estão sendo investidos em uma nova torre, com 120 leitos, que deverá ser inaugurada em 2015. O Samaritano, também de São Paulo, investiu 243 milhões de reais em áreas como ortopedia e oncologia. O HCor gastou 145 milhões em novas unidades de oncologia e neurologia.

No Rio, está em construção na Barra da Tijuca o maior complexo médico da cidade, o Américas Medical City. O conjunto terá dois hospitais, Samaritano e Vitória, e receberá um total de 600 milhões de reais em investimentos.

Para Sírio e Einstein, o atual cenário dá origem a dois desafios principais. O primeiro é reduzir os custos. Como são, na maioria, sociedades filantrópicas, os hospitais não distribuem lucros aos acionistas e podem reinvestir tudo que sobra no caixa. Mas os planos de investimento para os próximos dois anos são ainda mais ousados.

O Einstein pretende investir cerca de 500 milhões. O Sírio, 400 milhões. Ou seja, quem conseguir cortar custos terá mais dinheiro para investir. Mas economizar num setor que lida com questões de vida ou morte sempre foi um tabu. As evoluções vêm aos poucos. O Sírio conseguiu, em três anos, diminuir em 30% os gastos com alguns insumos ao limitar a variedade.

Costumava comprar, por exemplo, dez tipos de cateter para tratar traumas no cérebro. Hoje, compra apenas um, e treinou todos os profissionais do centro cirúrgico para usá-lo. O Einstein, por sua vez, passou a autorizar procedimentos cirúrgicos apenas depois de ouvir a opinião de dois médicos.

O segundo desafio é manter a qualidade do atendimento em meio a tanta expansão. A maior preocupação é com a mão de obra. O Einstein anunciou em 2013 a criação de uma faculdade de medicina, que a partir de 2015 vai formar 100 médicos por ano. Para não perder seus melhores profissionais, o Sírio ampliou o número de médicos com contratos de exclusividade — de 80, em 2007, para 184.

O salário médio desses profissionais cresceu 52% em três anos. O hospital também criou, em 2013, 30 grupos, com 240 médicos no total, para pesquisar doenças como diabetes e esclerose. “Ganhar escala e perder qualidade seria fatal”, diz Paulo Chapchap, superintendente do Sírio-Libanês. Pacientes — atuais e futuros — só podem concordar.

Fonte: Vicente Vilardaga, Exame

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