Por décadas, foi dito que a grande prova da hospitalidade de
São Paulo era o fato de que, na cidade, a rivalidade entre árabes e israelenses
se limitava a saber quem tinha o melhor hospital.
De um lado, o Albert Einstein, da comunidade judaica. Do
outro, o Sírio-Libanês, fundado e administrado até hoje por famílias de origem
árabe. Mas a verdade é que, na prática, a disputa não era tão pesada assim.
Cada hospital tinha suas searas bem definidas, e um não incomodava o outro.
O Sírio, fundado em 1921 no bairro da Bela Vista, virou
referência em oncologia — razão pela qual recebe pacientes famosos, como a
presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. O Einstein, inaugurado em
1955 no bairro do Morumbi, especializou-se em áreas como neurologia e
transplantes.
A tal “guerra” dos dois hospitais era de mentirinha. Mas as
coisas, lentamente, começaram a mudar. Há cinco anos, Einstein e Sírio
iniciaram o maior ciclo de expansão de sua história.
Os dois hospitais crescem cerca de 15% ao ano e, juntos,
investiram 3 bilhões de reais em novas unidades, negócios e centros de
pesquisa. As fronteiras já não existem mais. Ninguém admite publicamente — mas,
agora, é guerra mesmo.
A atual disputa se deve a uma mudança de postura. Antes
satisfeitos em ter um atendimento de excelência em algumas áreas, hoje os dois
hospitais querem fazer de tudo. Quem deu a largada foi o Einstein, que em 2009
começou a expandir seu negócio de diagnósticos. De lá para cá, abriu quatro
centros em São Paulo e já é o quarto colocado no ranking do setor.
Menos de um ano depois, o Sírio inaugurou o primeiro
laboratório externo em 2010, no bairro paulistano do Itaim Bibi, e procura um
terreno na zona sul da cidade para abrir outra unidade — ambas especializadas
em diagnóstico por imagem.
No principal negócio dos hospitais — o tratamento de doentes
—, a concorrência está mais acirrada do que nunca. Com 670 leitos, o Einstein
tinha quase o dobro do tamanho do concorrente. Com isso, virou referência em
uma gama maior de especialidades. Em 2010, começou a instalar mini-hospitais em
outros bairros de São Paulo, como Perdizes e Ibirapuera, chegando mais perto de
seus pacientes.
Já tinha uma unidade nos Jardins desde 2001. Em resposta, o
Sírio investiu 500 milhões de reais em três novas torres, que vão ampliar, nos
próximos três anos, a capacidade do hospital de 372 para 727 leitos. A primeira
ala ficará pronta em 2014. Algumas das áreas que são especialidade do rival
Einstein serão ampliadas, como a de cardiologia, que vai ganhar 22 leitos de
terapia intensiva.
O hospital também já escolheu os terrenos para abrir novas
unidades em Campinas e no Rio de Janeiro. O Einstein, que há alguns anos
estudou construir um hospital no Rio, suspendeu, pelo menos temporariamente,
seus planos.
Em contrapartida, inaugurou, em dezembro, uma unidade
especializada em tratamento de câncer — principal especialidade do Sírio, que
tem um centro de oncologia desde 2002. Nos últimos meses, o Einstein investiu
50 milhões de reais em equipamentos e dobrou a capacidade de atender pacientes
com câncer.
A rivalidade cresce porque as oportunidades nunca foram tão
grandes. Em dez anos, os 35 maiores hospitais brasileiros triplicaram o
faturamento e chegaram a uma receita de 13 bilhões de reais em 2013. “Com o
aumento da renda e da expectativa de vida, a demanda só tende a crescer”, diz
Pedro Zabeu, analista do mercado de saúde do banco Fator.
A Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) calcula
que, para dar conta do aumento de demanda, as redes investirão 7,3 bilhões de
reais até 2016. Einstein e Sírio investem também para se manter à frente de uma
concorrência crescente. O hospital paulistano 9 de Julho, do empresário Edson
Bueno, inaugurou em 2013 um novo prédio, que custou 40 milhões de reais.
Outros 180 milhões de reais estão sendo investidos em uma
nova torre, com 120 leitos, que deverá ser inaugurada em 2015. O Samaritano,
também de São Paulo, investiu 243 milhões de reais em áreas como ortopedia e
oncologia. O HCor gastou 145 milhões em novas unidades de oncologia e
neurologia.
No Rio, está em construção na Barra da Tijuca o maior
complexo médico da cidade, o Américas Medical City. O conjunto terá dois
hospitais, Samaritano e Vitória, e receberá um total de 600 milhões de reais em
investimentos.
Para Sírio e Einstein, o atual cenário dá origem a dois
desafios principais. O primeiro é reduzir os custos. Como são, na maioria,
sociedades filantrópicas, os hospitais não distribuem lucros aos acionistas e
podem reinvestir tudo que sobra no caixa. Mas os planos de investimento para os
próximos dois anos são ainda mais ousados.
O Einstein pretende investir cerca de 500 milhões. O Sírio,
400 milhões. Ou seja, quem conseguir cortar custos terá mais dinheiro para
investir. Mas economizar num setor que lida com questões de vida ou morte sempre
foi um tabu. As evoluções vêm aos poucos. O Sírio conseguiu, em três anos,
diminuir em 30% os gastos com alguns insumos ao limitar a variedade.
Costumava comprar, por exemplo, dez tipos de cateter para
tratar traumas no cérebro. Hoje, compra apenas um, e treinou todos os
profissionais do centro cirúrgico para usá-lo. O Einstein, por sua vez, passou
a autorizar procedimentos cirúrgicos apenas depois de ouvir a opinião de dois
médicos.
O segundo desafio é manter a qualidade do atendimento em
meio a tanta expansão. A maior preocupação é com a mão de obra. O Einstein
anunciou em 2013 a criação de uma faculdade de medicina, que a partir de 2015
vai formar 100 médicos por ano. Para não perder seus melhores profissionais, o
Sírio ampliou o número de médicos com contratos de exclusividade — de 80, em
2007, para 184.
O salário médio desses profissionais cresceu 52% em três
anos. O hospital também criou, em 2013, 30 grupos, com 240 médicos no total,
para pesquisar doenças como diabetes e esclerose. “Ganhar escala e perder
qualidade seria fatal”, diz Paulo Chapchap, superintendente do Sírio-Libanês.
Pacientes — atuais e futuros — só podem concordar.
Fonte: Vicente Vilardaga, Exame